Júlio Machado Vaz, 24 anos, recém-licenciado em Medicina e casado havia pouco, ia passear. "Eu e minha ex-mulher íamos a Madrid, e meu pai, um toxicodependente de noticiários, apercebeu-se de que a tropa estava na rua. Como bom republicano, sem saber ainda o que se passava e na certeza de que fechariam as fronteiras, disse-me: Desapareça rapidamente".
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Foi assim que o hoje conhecido psiquiatra e sexólogo viveu a revolução em terras galegas. Deixaram o país pela fronteira de Valença do Minho (a mais próxima do Porto) e não por Vilar Formoso, como haviam planeado, e só quando chegaram a Puebla de Sanabria perceberam o que estava a acontecer. "Fomos ao parador e perguntámos se, por acaso, não captariam ali a RTP", recorda. Ora, o pessoal da pousada estava, justamente, a ver a televisão portuguesa e, quando Machado Vaz e restantes viram "o Fialho Gouveia em mangas de camisa", logo perceberam que o golpe vinha do lado certo: "Lembro-me bem de alguém ter dito: Queres ver que não é a direita?...".
Logo encomendaram "um espumante rasca, pois não havia dinheiro para mais" e brindaram. Júlio ligou ao pai.
Ao contar isto, desfia recordações: o ter estado, ainda criança, numa janela da Avenida dos Aliados, vendo a família toda a chorar ante a passagem do "furacão Delgado"; a desilusão do pai com o rumo seguido por Caetano...
"Não podemos esquecer que o patriarca da família foi mandado para o exílio, em 1926, e só voltou para morrer, em 1944", nota. O patriarca era o bisavô Bernardino Machado, um dos maiores vultos da 1.ª República.
Depois veio o 1.o de Maio, "uma bebedeira de liberdade", depois o resto. "As minhas ambições eram modestas: queria uma democracia parlamentar que funcionasse e um país normal", diz, contrapondo o que temos: "O fosso entre ricos e pobres continua a aumentar, e isso dá-me grande amargura".