Maria Luís Albuquerque, proposta pelo Governo português para comissária europeia, ouviu críticas de BE e PCP no Parlamento Europeu - PS e Chega foram mais brandos, votando ambos a favor da nomeação. Na audição prévia à sua confirmação nas funções, a portuguesa negou acusações de um eventual conflito de interesses.
Corpo do artigo
O possível conflito de interesses de Maria Luís Albuquerque foi um tema recorrente durante a sessão, ocorrida esta quarta-feira, em Bruxelas. A esse respeito, a antiga ministra, que procura ser confirmada como comissária europeia para os Serviços Financeiros e União da Poupança e Investimentos, começou por dizer que a questão "foi avaliada pela comissão de Ética do Parlamento português, que concluiu que não havia qualquer incompatibilidade".
Os eurodeputados portugueses de BE e PCP foram dos mais duros para com a social-democrata. A bloquista Catarina Martins acusou-a de ser "um caso exemplar de portas giratórias, ou a raposa a cuidar do galinheiro". Frisando que "há limites para o conflito de interesses", atirou: "Já sabe para que banco vai trabalhar a seguir?".
A eurodeputada do BE revisitou a carreira profissional de Albuquerque, frisando que esta quer privilegiar fundos privados de pensões, "custou milhões" à Refer em contratos 'swap', fez de Portugal "cobaia da Europa na resolução do BES" (disse ao país que "não custaria um cêntimo aos contribuintes, mas custou oito mil milhões", vincou a bloquista) e "ofereceu o BPN", pondo os portugueses "a pagar o buraco".
Continuando a listagem, Catarina Martins recordou ainda que a social-democrata "ofereceu a ANA por meio século, num negócio arrasado pelo Tribunal de Contas e em investigação na Justiça", além de ter vendido ativos do Banif ao fundo Arrow para, depois, ir "trabalhar para a Arrow". Referiu ainda que Albuquerque pertenceu à Morgan Stanley e, enquanto comissária, lidará com dossiês "em que a Morgan Stanley é interessada", rematando: "A sua experiência é um longo cadastro".
A comissária indigitada respondeu que "qualquer pessoa que saiba como um banco funciona" entende que as decisões sobre vendas de carteiras de crédito não passam por gestores não executivos nem pelos ministros das Finanças. Sobre a Refer, afirmou que o resultado dos 'swaps' "foi um benefício de 40 milhões de euros" e que os contratos "ruinosos" foram feitos por empresas com as quais ela nada tem a ver.
Albuquerque sublinhou que as privatizações ocorridas quando era ministra "foram consideradas procedimentalmente válidas pelas entidades competentes". Sobre a venda da ANA, disse não ter "compreendido completamente" a razão pela qual o Tribunal de Contas passou a ser crítico da operação, depois de ter tido uma primeira versão "muito positiva". Acerca do BES, garantiu que os depositantes "foram protegidos".
Pensões em risco de desaparecerem "na roleta da especulação", diz PCP
João Oliveira, do PCP, considerou que Albuquerque trabalhará em prol dos "grandes interesses financeiros" e não dos cidadãos, acusando-a, desde logo, de favorecer "o negócio dos fundos privados de pensões", com a respetiva "fragilização" da Segurança Social pública. Isso, referiu o comunista, deixará os pensionistas "desprotegidos" e sujeitos a verem as pensões desaparecer "na roleta da especulação", como tem ocorrido nos EUA.
Oliveira criticou também o aprofundamento da união bancária, argumentando que levará a uma maior concentração e à multiplicação dos lucros da banca e do setor financeiro, com a respetiva acumulação de poder. Considerou que esse processo fará com que os países fiquem "mais expostos" a crises financeiras.
"Vimos bem o resultado dessas opções em Portugal com o escândalo da falência do BES quando era ministra das Finanças: os lucros ficaram nos bolsos dos banqueiros e os prejuízos para o povo", concluiu o eurodeputado do PCP.
Em resposta, Albuquerque apontou as diferenças de perspetiva "irreconciliáveis" que tem com os comunistas. Considerou que a construção de um mercado de capitais "pode ser no melhor intresse" dos europeus, por ajudar a "criar mais riqueza"; a propósito da união bancária, referiu que, se ela já existisse na altura do BES, poderia ter evitado boa parte do "ónus" sobre os contribuintes.
Albuquerque diz a PSD e PS que irá reduzir burocracia em excesso
Lídia Pereira, do PSD, considerou que "o excesso de burocracia não é compatível com os desígnios de competitividade e crescimento na Europa". Frisou que as poupanças dos europeus são "recorrentemente" investidas no mercado americano, o que resulta numa fuga de 300 mil milhões de euros.
Lamentando a existência de uma "catadupa de leis" que "se sobrepõem umas às outras" e multiplicam "encargos administrativos", a deputada social-democrata quis saber como pretende Albuquerque "reduzir a carga regulatória sobre as empresas europeias, nomeadamente do setor financeiro". A candidata a comissária concordou que existe "excesso de burocracia", comprometendo-se a corrigir "muitas das sobreposições e inconsistências" da legislação.
A intervenção de Francisco Assis, do PS, pareceu vir em reação à de Lídia Pereira. O socialista quis saber se Albuquerque defende "uma regulação exigente" do sistema financeiro" - referindo, sem apontar nomes, que ultimamente se têm ouvido vozes a pedir um "retrocesso" nesta matéria.
Aludindo às "divergências profundas" que teve, no passado, com Maria Luís Albuquerque, Assis concedeu que, agora, ambos estão "num tempo e lugar distintos". À saída da sessão, ao "Observador", confirmou que o PS votará a favor da aprovação da social-democrata como comissária.
Albuquerque procurou tranquilizar Assis: "Eu não defendo a desregulação. Não gosto sequer da palavra", afirmou, referindo que foi a desregulação que originou a crise do início da década passada. Sustentou que o setor financeiro tem de ser "fortemente regulamentado", até "pelas consequências que os seus falhanços trazem". Ainda assim, avisou que essa regulamentação deve ser "bem calibrada", repetindo que que há hoje "excesso de burocracia" e demasiados "encargos" sobre pequenas e médias empresas.
António Tânger Correia, do Chega, colocou uma pergunta rápida a Albuquerque, no sentido de saber como garantirá que "a soberania de decisão dos Estados-membros" será respeitada na implementação de "projetos ambiciosos e não consensuais" como o Green Deal e a transição social.
O eurodeputado disse também notar "com satisfação" que a comissária indigitada trata "com equidade" todos os eurodeputados, não estabelecendo o "cordão sanitário" que, em Portugal, "os governos socialistas e da extrema-esquerda" impuseram ao Chega. Tânger agradeceu a atitude, argumentando que o seu grupo parlamentar não é "uma gentalha qualquer".
À pergunta deixada pelo eurodeputado do Chega, a comissária indigitada respondeu que o Green Deal e a transição social e transição social são defendidos pela "maioria dos europeus", considerando ambos "perfeitamente compatíveis" com a soberania dos Estados-membros.
Na sua intervenção inicial, a antiga ministra das Finanças lembrou as dificuldades dos tempos da troika, quando esteve no Governo: "O impacto da grande crise financeira e da crise na área do euro que se seguiu foi especialmente duro no meu país", recordou, dizendo estar "profundamente ciente" das "dificuldades" sentidas pelos portugueses e europeus "durante esses anos difíceis".
Albuquerque disse ter aprendido "uma grande lição desses tempos escuros": que a estabilidade financeira "será sempre um pré-requisito para uma economia forte e competitiva", que esteja ao serviço "dos cidadãos e da sua prosperidade".
Maria Luís Albuquerque seria, no final, confirmada pelos eurodeputados como comissária europeia. Entre os partidos portugueses, PSD, PS, Chega, IL e CDS votaram a favor. Só BE e PCP estiveram contra.