O estado de emergência decretado na quarta-feira pode conferir atualidade a um decreto-lei com 36 anos e pouco uso, que estabelece as infrações antieconómicas e contra a saúde pública, punindo o açambarcamento, a especulação de preços e a exportação ilegal, entre outros crimes
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A saber
Concebido para tempos de guerra ou de grave crise, o Decreto-Lei 28/84 prevê penas leves, mas o estado de emergência permite ao Governo avançar com "legislação temporária" para agravá-las e para adaptar os respetivos crimes às circunstâncias da pandemia do Covid-19, defende o advogado Jacob Simões.
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Este especialista em direito penal invoca o exemplo da exportação ilícita. O decreto-lei de 1984 diz que comete este ilícito e incorre em pena de prisão até dois anos "quem exportar, sem licença, bens cuja exportação, por determinação legal, estiver dependente de licença". Se houver uma empresa portuguesa licenciada para exportar máscaras que esteja a dar preferência ao mercado externo, o Governo poderá aprovar legislação que retire aquela licença ou exija outra licença específica para a exportação das máscaras, exemplifica.
"Cartão amarelo"
Casos de prateleiras de supermercado sem carne ou de consumidores com carrinhos cheios de papel higiénico parecem integrar-se no "açambarcamento de adquirente". Um crime imputável a "quem, em situação de notória escassez ou com prejuízo do regular abastecimento do mercado, adquirir bens essenciais ou de primeira necessidade em quantidade manifestamente desproporcionada às suas necessidades de abastecimento ou renovação normal das suas reservas".
É cometido tanto na forma consumada como tentada e tem como pena máxima seis meses de prisão, a aplicar em julgamento sumário ou sumaríssimo.
Há outro crime de açambarcamento, imputável ao vendedor que, em situação de "notória escassez", recusa ou retarda a venda dos bens, oculta-os ou encerra o estabelecimento. A pena pode chegar a três anos.
Mas, ressalvando cenários extremos de racionamento de bens essenciais, Jacob Simões vê com dificuldade que alguém seja condenado por açambarcamento.
"É mais um cartão amarelo do que uma norma com efetividade penal, porque aquilo está cheio de conceitos abertos: "bens de primeira necessidade", "em hipótese de manifesta carestia", "de forma manifestamente desproporcionada"", sustenta.
Mais plausível, para o advogado, é o crime de especulação, que pode implicar até três anos de prisão a quem, por exemplo, vender bens ou prestar serviços por "preços superiores aos permitidos pelos regimes legais".
Preços exorbitantes
Nos últimos dias, circularam informações sobre venda de máscaras e desinfetantes a preços exorbitantes. Não há notícias de processos abertos, mas "o estado de emergência permite ao Governo estreitar mais o funil", diz o advogado, pela hipótese de surgir legislação específica que pode potenciar, nomeadamente, a aplicação do Decreto-Lei 28/84.
O decreto do presidente da República permite que as autoridades públicas requisitem a "prestação de quaisquer serviços e a utilização de bens móveis e imóveis [...], de unidades de prestação de cuidados de saúde, de estabelecimentos comerciais e industriais [...]".
Por outro lado, o Governo pode determinar "a obrigatoriedade de abertura, laboração e funcionamento de empresas", que também poderão ser obrigadas a aceitar "alterações à quantidade, natureza ou preço dos bens produzidos e comercializados ou aos respetivos procedimentos e circuitos de distribuição e comercialização".
A saber
60 polícias vigiados
A PSP adianta que, até ontem, estavam sinalizados para vigilância/quarentena cerca de 60 polícias. Não há, para já, casos positivos. A PSP garante ainda que foram já distribuídos 15 mil kits individuais de proteção. Outros 10 mil, bem como cinco mil óculos cirúrgicos, serão entregues esta semana.
Apelo à denúncia
O Sindicato Nacional da Polícia apelou aos profissionais da PSP para que, caso sejam proibidos de usar equipamentos de proteção individual, como máscaras, elaborem "uma peça de expediente por escrito", identifiquem o superior hierárquico que deu a ordem. O objetivo é a sua eventual responsabilização posterior.
Assegurar a saúde
A Associação dos Profissionais da Guarda promete tudo fazer para garantir que os militares da GNR não irão adoecer durante o seu trabalho. Muitos estão a atuar sem proteção.
Queixas nas prisões
O Sindicato Nacional do Corpo da Guarda Prisional acusa o diretor-geral dos Serviços Prisionais de não estar preocupado com a saúde dos guardas. Queixam-se da falta de gel, luvas e máscaras. Ontem, os sindicatos do setor reuniram com o secretário de Estado da Justiça, que lhes transmitiu uma palavra de reconhecimento.