O Estado pagou quase quatro vezes mais refeições às corporações de bombeiros que atuaram nos grandes incêndios no Centro do país, em julho de 2017, do que o verdadeiro número de operacionais que andaram no terreno.
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O abuso foi identificado pela Inspeção-Geral da Administração Interna (IGAI), que remeteu o caso para o Ministério Público (MP), há poucas semanas. Os auditores consideram que o que aconteceu pode ser só a ponta de um grande icebergue, com práticas generalizadas de "ilícitos criminais" nos incêndios nacionais.
A fatura apresentada pelos bombeiros à Proteção Civil correspondeu a um número de operacionais muito diferente dos que estiveram no terreno. Uma semana de chamas teve um custo em refeições que acabou por se cifrar em quase 145 mil euros.
Segundo o relatório da IGAI a que o JN teve acesso, concluído a 28 de dezembro de 2018, na primeira noite do fogo, que começou a 23 de julho de 2017, no distrito de Castelo Branco e atravessou para o de Santarém, estiveram 509 operacionais.
Mas os bombeiros da Sertã, Idanha-a-Nova, Proença-a-Nova e Mação pediram à Autoridade Nacional de Proteção Civil (ANPC) o pagamento de 1184 jantares. As mesmas corporações repetiram nos dias seguintes a mesma atuação.
Casos repetem-se
O mais grave episódio detetado na fita do tempo remete-se ao teatro das operações, do dia 24, em que estariam 743 bombeiros no terreno, pelas 7.35 horas. Ou seja, na manhã do dia seguinte ao começo do fogo. Apenas para essa manhã, houve 2755 pedidos de "ressarcimento de pequenos-almoços" por parte das mesmas corporações.
Cada almoço ou jantar teve um valor de sete euros. Os pequenos-almoços, lanche e os reforços um e dois custaram cada um 1,8 euros.
A IGAI confrontou a ANPC com "as discrepâncias", tendo o diretor financeiro da entidade garantido que coube aos comandos distritais de Santarém, Castelo Branco e Porto [porque os bombeiros de Ermesinde também estiveram neste incêndio] conferir os relatórios de ocorrência, em que estão tais faturas. A ANPC alegou ainda ser impossível detetar estes casos.
A IGAI concluiu que se pode estar "perante um comportamento padronizado em todas as ocorrências de incêndios florestais" e que só isto exige uma outra auditoria.
Este caso foi identificado pela IGAI por acaso, ao passar a pente fino as causas da destruição de metade do concelho de Mação por aquele fogo.
Guerra de egos em Mação
A auditoria detetou uma guerra de egos e diversas falhas no comando por parte do então comandante nacional da Proteção Civil, Rui Esteves, e do distrital de Castelo Branco, Amândio Nunes, que submeteram o comandante de Santarém, Mário Silvestre, a diversas desautorizações e até humilhações, por não lhes darem o comando das operações "como podia e devia" ter sido feito.
A IGAI considera condenável o comportamento de Esteves - agora consultor da Comunidade Intermunicipal da Beira Baixa -, por ser sua a decisão de reduzir os meios, que levaram à catástrofe em Mação. O Ministério da Administração Interna remeteu para o MP a totalidade do relatório.