Vários municípios da Área Metropolitana de Lisboa manifestam-se recetivos à criação destes espaços assistenciais.
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A única sala de consumo assistido de drogas do país, localizada em Alcântara, Lisboa, não consegue dar resposta a todas as solicitações, pelo que há toxicodependentes a consumir nas imediações do espaço, sob protesto dos moradores. Por dia, ficam sem resposta cerca de 40 pessoas, provenientes de outros pontos da cidade e de concelhos limítrofes, o que leva João Goulão, presidente do ICAD – Serviço de Intervenção nos Comportamentos Aditivos e nas Dependências, a defender a abertura de mais salas na Área Metropolitana de Lisboa (AML).
“Tivemos uma reunião com a AML e com municípios individualmente, e houve recetividade”, assegura ao JN o presidente do ICAD, entidade que financia em 310 mil euros (80%) a sala de consumo assistido de drogas, com verbas provenientes dos jogos da Santa Casa da Misericórdia. Os restantes 20% são suportados pela Câmara de Lisboa, que disponibilizou ainda o espaço, na Quinta do Loureiro. Para se poderem abrir mais salas, João Goulão considera fundamental contar com o apoio das autarquias.
O JN contactou os 18 municípios da AML, para saber se está prevista a abertura de salas de consumo assistido nos seus concelhos. Almada, Barreiro, Cascais, Oeiras, Seixal, Setúbal e Sintra negaram essa possibilidade. Já Lisboa adianta que “está em análise com o ICAD, a nível técnico, aquele que será o novo modelo a aplicar numa futura sala de consumo assistido”. Contudo, esclarece que “ainda não existe qualquer decisão ou proposta de localização para a nova sala em Lisboa”. As restantes câmaras não responderam.
“Seria desejável o envolvimento das autarquias, que têm um conhecimento mais aprofundado dos territórios”, explica o presidente do ICAD. Além disso, destaca a importância da sua participação em decisões estratégicas, e como suporte financeiro. “A contratação de profissionais é mais fácil para as autarquias, tal como a articulação com a Segurança Social em relação à habitação e à disponibilização de alojamentos temporários, e apoio à população migrante”, concretiza. “São variáveis que não dependem de nós, mas que exigem a mobilização de todos”, diz.
Menos consumo injetado
Com base nos quatro anos de experiência da sala de consumo assistido de Lisboa, João Goulão considera que a solução para dar resposta à “grande afluência” de toxicodependentes passa, assim, pela “pulverização de diversos espaços” pela AML, “menos exigentes do ponto de vista técnico”, e alguns apenas para o consumo fumado.
“Antecipávamos que haveria uma maior procura para via injetável, mas é sobretudo para via fumável, o que é um bom indicador, porque haverá menos pessoas a injetar-se. Do ponto de vista da saúde pública, é um bom sinal”, refere.
O presidente do ICAD assegura, por outro lado, que a abertura deste espaço não contribuiu para “disparar” o consumo de droga. “Temos uma franja da população muito desorganizada, vulnerável e exposta no espaço público, que antes consumia em casa e agora não tem casa”, garante. “Isto cria um sentimento de insegurança, também devido a fenómenos de pequeno e grande tráfico, e porque há forças que exploram e cavalgam essa ameaça”, observa.
“Conferir às pessoas condições mais seguras de consumo já é um ganho”, defende João Goulão, que garante ainda que passou a haver menos overdoses. “Uma das virtualidades deste tipo de programas é ganharmos a confiança destas pessoas nos profissionais de saúde, o que permite mobilizá-las para programas de mudança de vida, através de tratamentos, integrando-as na sociedade como elementos válidos”, afirma. Perante estas evidências, gostaria que, no último trimestre deste ano, estivesse definida uma estratégia, apoiada pela tutela, para haver mais salas a funcionar no próximo ano.
Todos os meses surgem 60 novos casos
A diretora técnica da Ares do Pinhal, Elsa Belo, tinha a expectativa de que o número de inscrições na sala de consumo assistido fosse “diminuindo de forma drástica” com o tempo, mas sucedeu precisamente o contrário. “Temos uma média de 60 novas inscrições por mês”, revela. “Nos primeiros anos, é natural que fossem mais elevadas, mas continuam a surgir novos casos. Estamos em maio, e já vamos em 238 pessoas. Será que nunca mais pára?”, questiona.
Entre maio e dezembro de 2021, inscreveram-se no espaço 903 toxicodependentes, no ano seguinte mais 801, em 2023 mais 691, e no ano passado outros 620. Ou seja, no total, há 3253 pessoas inscritas. “Sentimos necessidade de alargar a resposta, como forma de responder a todas as solicitações, pois continua aquém da necessidade”, alerta.
Elsa Belo defende ainda o alargamento do horário de funcionamento da sala de consumo, que está aberta das 10 às 19 horas. “Queríamos abrir mais cedo e fechar mais tarde, pois quando chegamos há imensas pessoas à espera e, como o espaço não dá para todos, consomem na rua”, refere. “Os vizinhos estão sempre a queixar-se, porque ninguém quer aquela situação no bairro”, conta.
“Temos de nos sentar com as entidades responsáveis e pensar em formas alternativas e criativas de combater este flagelo”, sugere. Convicta de que esta resposta tem contribuído para um retorno do investimento para o Estado, ao prevenir doenças infeciosas crónicas (como o VIH), nos utilizadores e na comunidade, argumenta que também evita internamentos hospitalares dispendiosos. “Reduz ainda a criminalidade, a mendicidade, e contribui para a ordem pública e para a paz social”, acrescenta.