Eurico Brilhante Dias: “A liberdade de ação política deve ser sempre preservada”
Veio no fim do Estado da Nação, sem gravata. Não se pode dizer que ele tem tido dias difíceis e não é por força do nome. Lidera uma bancada parlamentar pacificada com o poder. No fim da primeira sessão legislativa, o Parlamento fecha com o Governo no vermelho. Eurico Brilhante Dias falou esta semana com a TSF e o JN.
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Todas as sondagens publicadas esta semana, na antecipação do debate do Estado da Nação, mostram que a maioria dos portugueses dá nota negativa ao Governo e considera que o país está pior. O que é que falta para que os bons indicadores económicos sejam sentidos pelas famílias?
Eles estão a ser sentidos por muitas famílias. Admito, contudo, que não estejam a ser sentidos por todas da mesma maneira. Os bons resultados estão a chegar porque quando dizemos que temos números recorde de emprego é porque temos mais portugueses com emprego, quando os salários médios sobem - e sobem em linha com a inflação - esses bons números estão a chegar. Temos mais empresas a exportar e mais exportações. Agora é normal que num processo inflacionário como este, o processo não seja homogéneo. O Governo e o PS tiveram a preocupação de apoiar os mais vulneráveis, também com algumas medidas transversais para a classe média - por exemplo o caso das creches, o caso mais ilustrativo, ou, no passado, dos manuais gratuitos. Mas é normal que num processo inflacionário seja muito difícil, em particular numa economia endividada, em que os portugueses, quase todos os que compraram casa, compraram com crédito hipotecário com taxa variável, que este processo seja sentido de igual forma por todos. Isto é um caminho. No debate do Estado da Nação tive a oportunidade de mostrar um gráfico, que é o índice de confiança dos consumidores. Ele está a melhorar de forma consecutiva desde fevereiro. Acredito que com esta trajetória, com o crescimento económico a aproximar-se dos 3% - o Conselho de Finanças Públicas já disse que será provavelmente de 3% - que mais portugueses possam sentir a regularização da sua vida e do seu poder de compra. E que o Banco Central Europeu pare de aumentar as taxas de juros de referência e que olhemos para 2024 com mais esperança, com um novo instrumento orçamental aprovado em outubro.
A verdade é que não só não vai parar, como este processo inflacionário não é sentido por toda a gente, mas é bom para os cofres do Estado.
Não sei se é bom para os cofres do Estado. Primeiro, dizer que não vai parar, é preciso fazer um ponto de ordem...
É o que está previsto pelo BCE…
O senhor governador do Banco de Portugal vai dizendo que até ao fim do ano esta trajetória de crescimento pode parar, pelo menos estabilizar. Em segundo lugar, o Governo em 2022 – e está a fazer o mesmo em 2023 - sim, tem mais receitas, mas também tem mais despesa. Em 2022, o Governo teve uma trajetória de despesa que permitiu, em momentos circunstanciais, apoiar as famílias, até de forma mais transversal, como foi a medida dos 125 euros. E este ano já fizemos um aumento intercalar de pensões, já fizemos um aumento intercalar dos funcionários da Administração Pública, aumentámos o subsídio de refeição da Administração Pública, desenvolvemos uma prestação para os mais vulneráveis paga de forma trimestral e essa despesa é uma despesa que ocorrerá a partir do momento em que está em execução, que é o caso do aumento das pensões que se verifica a partir deste mês de julho. Queremos chegar ao fim do ano cumprindo aquilo que está no Orçamento de Estado. Mas num processo inflacionário, para uma economia altamente endividada, com os juros a subir e com o Estado altamente endividado, o controlo da dívida pública e da despesa com juros é outra dimensão. E isso temos que continuar a fazer, com o objetivo de chegar a 2026 com o rácio abaixo de 100% da dívida no PIB.
A verdade é que a sensação que há entre os portugueses é que o Governo tem estado a desbaratar a maioria absoluta que conquistou em janeiro de 2022, consumido numa sucessão de casos e casinhos que já ditaram a saída de 13 membros do Governo. O que é que isso diz do cuidado da escolha dos membros do Governo?
Quando metemos tudo no mesmo bolo, é uma generalização que, na minha opinião, não cabe neste caso. Vejamos. Saíram dois ministros, apenas dois ministros. Quando digo apenas, podia não ter saído nenhum, mas saíram dois ministros por casos completamente diferentes e circunstâncias muito diferentes, que foi o caso de Marta Temido e de Pedro Nuno Santos, meus colegas agora no Parlamento. E quando saiu a doutora Marta Temido, saíram dois secretários de Estado, o que é normal.
São 14 saídas ao todo. Ora bem, num Governo de maioria absoluta que tem um ano, digamos que é uma remodelação às pinguinhas dos secretários de Estado...
Não podemos comparar a saída do médico e meu colega e ex-secretário de Estado da Saúde, António Sales, com a saída mais recente, por exemplo, do ex-secretário de Estado da Defesa, Mário Capitão Ferreira.
Acusado de corrupção…
Arguido neste momento. Penso que acusado não foi ainda. Portanto, são coisas completamente diferentes. Os governos de maioria absoluta são governos que, em determinados momentos, têm refrescamentos de equipa ou saídas. Os governos de Durão Barroso tiveram saídas de Pedro Lince e Martins da Cruz, os governos de Passos Coelho tiveram Miguel Relvas e Miguel Macedo - e devo dizer que utilizo estes casos, até porque, no caso do doutor Miguel Macedo, hoje todos reconhecemos que a sua saída, ainda que a avaliação que foi feita naquele momento tivesse sido que devia sair, todos hoje reconhecemos que o doutor Miguel Macedo foi constituído arguido, foi acusado e foi inocentado. Portanto, estes membros do Governo que saíram agora também têm direito à presunção de inocência. Não nos podemos deixar consumir por esta questão em torno da equipa governativa. Quando a liderança mantém-se a mesma e é estável, a equipa de ministros é bastante estável. Devo dizer que até compara bastante bem com outros governos - já não chego ao limite do governo de Santana Lopes que, em meio ano, teve praticamente tantas substituições como este Governo em ano e meio. Mas se voltarmos a outros governos, mesmo do professor Cavaco Silva, verá que em maioria absoluta também fizeram bastantes substituições. O essencial neste momento é centrar-nos naquilo que para mim é mais relevante. A equipa governativa é estável, os ministros são estáveis, a liderança é estável, o programa é o mesmo e as políticas a prosseguir são as mesmas.
Mas a verdade é que em ano e meio o elenco governativo já sofreu muitas alterações. Não teme que esta instabilidade governativa afaste ainda mais os portugueses da política e agrave a falta de confiança nas instituições, ajudando ao crescimento da extrema-direita?
Não. Em democracia devo dizer que deve haver alternativa democrática. A instabilidade ou não de um governo não deve necessariamente alimentar a extrema-direita. É importante alimentar alternativas democráticas e o PS já foi oposição e era alternativa democrática e, em devido momento, os portugueses votaram no PS e o PS formou Governo. O que afasta as pessoas da política é um certo sentido de que o seu voto não é consequente. E isso é, para mim, um elemento central. As pessoas muitas vezes não votam - e a abstenção é um problema para qualquer democrata - por considerarem que é indiferente, que não muda a sua vida, que escolher não é importante. E é por isso que é muito relevante olhar hoje para a estabilidade política como uma forma de garantir que há um vínculo entre o voto e a execução de um programa.
O PS está a aproveitar a oportunidade que tem, grande, para fazer as reformas e mudar o país? Ou não está a desperdiçá-la?
Sim, num contexto difícil. Eu mentiria se dissesse - e as pessoas percebem, que o PS, quando ganhou as eleições no dia 30 de janeiro de 2022, estávamos a sair da pandemia e no nosso quadro não estava uma guerra com um surto inflacionista como aquele que tivemos. Preparámos um programa para governar o país, para recuperar o país depois da pandemia e o surto inflacionista criou um novo obstáculo. Mas não foi por isso que nós deixámos de aprovar a Agenda para o Trabalho Digno, a Lei Quadro das Ordens, que agora estamos a discutir, que não avançámos com a morte medicamente assistida. Fomos capazes de apoiar as famílias e as empresas num momento mais agudo da inflação.
Mas estava a dizer, a propósito das reformas, que mentiria se dissesse que…
Mentiria se dissesse que não tivemos novas barreiras, novos obstáculos à implementação do nosso programa. É evidente que tivemos. A inflação foi, evidentemente, uma barreira importante.
Mas quando olhamos para o país não há ainda um grande marco de António Costa e desta governação que fique para o futuro. Para além da reposição de rendimentos, não há uma grande reforma como era suposto ser a da Habitação para o futuro.
Não. O Mais Habitação é outra grande reforma que aprovámos ainda esta semana em votação final global. Mas deixe-me dizer e discordar. Essa minha discordância daquilo que disse...
Era uma pergunta.
Sim, é uma pergunta, mas vem encapsulada da ideia que não há um marco. Nós temos um desígnio. E o nosso desígnio inicial - para além da reposição de rendimentos, logo em 2015, 2016 - era a de dar a este país uma década de convergência com a média da União Europeia, com impacto nos salários e nos rendimentos, fazendo aproximar os salários e os rendimentos dos portugueses da média da União Europeia, com algumas políticas instrumentais muito importantes nas qualificações. Quando hoje digo que o país bate recordes de stock de investimento direto estrangeiro e ultrapassou o limiar dos 50% de exportações no produto interno bruto, é porque estamos a fazer não só convergência com a média da União Europeia, como estamos a alterar estruturalmente a economia portuguesa, com mais qualificações, mais valor e mais grau de abertura da economia portuguesa, que hoje supera os 100%. Parecia impossível. Mas hoje a economia portuguesa tem mais um milhão de trabalhadores do que tinha em 2015, exporta mais, é mais competitiva e tem mais trabalhadores qualificados. E mesmo no que diz respeito às questões demográficas, temos um elemento muito importante. O saldo migratório tem contribuído para que Portugal não tenha uma erosão maior de população, que é muito importante para o crescimento, e tem permitido que a própria Segurança Social se tenha robustecido. Só assim se percebe que este ano, apesar de todas as dificuldades, nós voltemos a aumentar as pensões em torno dos 8%, de forma combinada, depois de ter dado meia pensão para apoiar os pensionistas em novembro de 2022. E este é o nosso desígnio. E este é o desígnio, já agora, de Mário Soares.
Vamos para as relações institucionais entre Belém e o Palácio de São Bento. Valeu a pena, tendo em conta aquilo que tem sido a atuação e as polémicas causadas, por exemplo, na CPI da TAP, o Partido Socialista ter aberto uma rutura com o presidente da República em maio quando o primeiro-ministro recusou o pedido de demissão do ministro João Galamba após o episódio do alegado roubo do computador?
Sou daqueles portugueses que está convencido que, genuinamente, os cidadãos portugueses têm confiança no presidente da República e no primeiro-ministro. Neste presidente da República e neste primeiro-ministro. E que gostam genuinamente dos políticos Marcelo Rebelo de Sousa e António Costa. Desde 2016, a cooperação entre estas instituições, e também com a Assembleia da República, tem sido extraordinária. Aquele episódio, que é um episódio que diz respeito à composição do Governo, é um episódio em que o primeiro-ministro, tendo o conjunto de informações pertinentes sobre aquilo que havia ocorrido, entendeu que não devia aceitar a demissão de um ministro quando julgava - e essa era a avaliação que fez e que continua a fazer - que o ministro em causa não tinha cometido nenhum erro e que havia, sim, ali um caso de polícia que devia ser resolvido nas instâncias próprias. Essa não terá sido a avaliação do sr. presidente da República. No quadro das competências de cada um, ao primeiro-ministro compete-lhe gerir a sua equipa - e, nesse caso, se essa era a posição do senhor. primeiro-ministro, foi essa que prevaleceu. Desde então, o senhor presidente da República e o primeiro-ministro têm estado juntos em diferentes ocasiões, a cooperação institucional continua muito intensa. Temos vindo a legislar na Assembleia da República e o Governo também, no quadro das suas competências exclusivas ou partilhadas com a Assembleia, tem legislado o que tem vindo também a ter promulgações do presidente da República. Não devemos transformar este episódio num padrão. É um episódio. No fundo, é a exceção que confirma a regra.
Mas a verdade é que desde então, as promulgações do presidente têm sido mais frequentemente acompanhadas de reparos em que faz questão de mostrar as suas críticas em relação às políticas do Governo. Ainda esta semana, em relação à questão do Exame de Matemática. Como é que tem visto esta atuação por parte do presidente?
O processo legislativo é um processo intenso, cada um no quadro das suas competências, mas com interações várias entre os órgãos de soberania.
Considera, então, normal?
Devemos respeitar as competências do presidente da República. O senhor presidente da República promulga e entende, no quadro dessa promulgação, comunicar opiniões e a abordagem que teria ou as questões que poderiam ter ido mais ou menos longe. Não vejo que isso seja um problema. O importante é que as instituições estão a funcionar, a cooperação institucional é muito forte. Devo dizer e sublinhar: fui um eleitor do professor Marcelo Rebelo de Sousa e, sem prejuízo de discordar em algumas circunstâncias de decisões que possa ter tomado, ao dia de hoje não me arrependo do voto que dei a um presidente da República que teve particular importância para unir os portugueses num momento particularmente difícil, quando saíamos de um governo duro, que tinha cortado pensões e salários e que, por isso, era importante começar uma nova etapa. O presidente Marcelo foi decisivo para essa estabilização.
Mas a verdade é que este presidente, que também ajudou a eleger, não se cansa de dizer que o Governo precisa de uma remodelação ou, pelo menos, não ‘encaixa’ que o ministro João Galamba continue no Governo. Até o presidente do PS, Carlos César, já admitiu que o Executivo precisa de uma remodelação e que um refrescamento, em algumas áreas, poderia ser útil. Como é que vê essas declarações?
O PS é um partido muito livre. Costumo dizer que somos radicalmente democratas - radical da raiz, porque a raiz do PS é a liberdade e a democracia. O lugar institucional que tenho hoje deve-me conter quanto a opiniões pessoais sobre o ministro A ou o ministro B. Desde o ponto de vista institucional, aquilo que é relevante...
Está a criticar o presidente do PS, Carlos César?
Não, estou a dizer que sou líder parlamentar, o presidente do PS é presidente do PS. Do ponto de vista institucional, faço, evidentemente, de forma coordenada politicamente, a gestão do grupo parlamentar. A gestão da equipa governativa é uma competência exclusiva do primeiro-ministro. Ele melhor que ninguém conhece, dentro do Conselho de Ministros, as iniciativas de cada ministro, as questões que são levantadas. E, por isso, é perfeitamente normal que eu diga: essa é uma competência exclusiva do primeiro-ministro. A liderança é clara. E, portanto, no momento que o senhor primeiro-ministro entender que deve alterar um membro do Governo, perdeu a confiança, considera que deve refrescar, pois, seguramente, na sua avaliação, no momento certo, falo-á.
Mas acredita que está para breve?
Não acredito que esteja para breve. Nestas coisas, a fé não nos ajuda.
Mas tem, com certeza, relações profissionais com o primeiro-ministro.
Claro, com certeza, e de proximidade.
E acredita que entraremos numa nova fase a partir de setembro?
Eu entrarei seguramente porque entra a segunda sessão legislativa. Agora, o relevante é que continuemos a fazer avançar o programa do Governo. A constituição da equipa é uma competência do primeiro-ministro e ele determinará, no momento certo, aquilo que entende. Do caso em concreto da possível saída do ministro João Galamba - pelo menos isso ficou e terá ficado, que é: a competência de gestão da equipa governativa é um exclusivo do primeiro-ministro. O primeiro-ministro não faz remodelações a partir dos jornais, a partir da comunicação social, e menos a partir de pressões externas de quem não conhece a dinâmica governativa.
Ou seja, e menos a partir do presidente da República.
Não é menos a partir do presidente da República. O que eu digo é que todas as semanas seguramente falam. Mas a competência de gestão da equipa governativa é do primeiro-ministro.
Vamos mudar de agulha. Recentemente, o antigo líder do PSD, Rui Rio, foi alvo de buscas à sua residência e à sede do PSD. Isto num processo sobre o financiamento dos partidos políticos. O Partido Socialista admitiu fazer uma clarificação à lei, embora defenda que a gestão partilhada da subvenção entre partidos e grupos parlamentares é legal. O aparato e as suspeitas de peculato e abuso de poder que recaem neste caso são excessivas, a seu ver?
Não conheço a investigação que o Ministério Público está a fazer pelo que é difícil fazer uma avaliação definitiva. O PS tem o entendimento que as duas leis - a do financiamento dos partidos e a de organização e financiamento da Assembleia da República - são claras e entende que as cumpre. O senhor presidente da República entende que há zona cinzenta e aquilo que o PS fez foi dizer que estamos disponíveis e que gostaríamos de fazer essa reflexão para esse esclarecimento, o que teve sequência de forma imediata, acolhendo esta ideia também o Partido Social Democrata, pelo menos pela voz do secretário-geral Hugo Soares. Para nós, a lei é clara. Nós cumprimos. Se é preciso esclarecimento, estamos disponíveis, começando a segunda sessão legislativa, para avançar nesse sentido, coletivamente com os outros grupos parlamentares e com os deputados únicos que estão na Assembleia da República. Para mim, e para nós, a questão mais importante está relacionada com a questão das buscas.
Está a falar do aparato?
O aparato, não quero quantificar se 100 ou 80, 90 ou 120 inspetores, é muito ou pouco. Apenas quero dizer que os partidos políticos são instituições muito importantes no país. Como são os sindicatos ou as confederações patronais. Os partidos não estão acima da lei, têm obrigação de cumprir a lei, mas há uma área de liberdade de ação política que deve ser sempre, sempre preservada. Isso significa que ficheiros com listagens de militantes, documentos de orientação política, interações sobre a forma como se constrói uma posição política, são documentos que devem ser reservados.
Em sua opinião, perante aquilo que se conhece até agora, manifestamente houve ali um excesso de aparato e de informação recolhida?
Mais do que um excesso, tenho uma preocupação. Os partidos políticos não estão acima da lei. E, volto a dizer, o PS cumpre a lei de financiamento dos partidos e a lei de organização e funcionamento da Assembleia da República. Mas a forma... Passaram quase 50 anos desde o 25 de Abril. Volto a dizer: não quero conhecer, não tenho que conhecer, quem são os militantes do PPD-PSD.
Qual é a sua preocupação?
É porque este tipo de intervenção, se não tivermos particular cuidado e tivermos, por exemplo, fugas de informação sobre este tipo de documentos - e isto não aconteceu com o PS, estou a falar do PSD - penso que pode colocar em causa, de alguma forma, a liberdade de ação política.
Acha que a senhora Procuradora-Geral da República devia pronunciar-se publicamente sobre este caso?
Estive de acordo com a intervenção do presidente da Assembleia da República de que houvesse um esclarecimento, protegendo a investigação - não quero saber qual é o perímetro, nem quero saber o que está em segredo de justiça. Mas quando fazemos buscas com estas características, estando praticamente 20 horas, segundo os jornais, dentro da sede do maior partido da oposição, penso que devemos refletir sobre alguns aspectos. A qualidade da democracia depende, naturalmente, da qualidade dos partidos, isso é evidente, mas depende também da qualidade da separação de poderes entre a justiça e a atividade política e a ação política. O esclarecimento da senhora procuradora era útil para que ficasse claro - e eu não tenho muitas dúvidas que esse não é o objetivo da senhora procuradora, nem do Ministério Público - que aquilo que diz respeito à ação política é um espaço reservado.
E esta não é uma reação corporativa dos políticos e dos partidos?
A minha resposta é imediatamente que não. Nós já temos discutido em muitas circunstâncias a intervenção da Justiça e do Ministério Público. Os partidos são e estão continuamente em escrutínio, pela comunicação social ou por outras entidades. O que digo é que, passados quase 50 anos do 25 de abril, a liberdade da ação política e de um partido político é um elemento central.
E esses esclarecimentos da PGR deveriam ser feitos no Parlamento como querem alguns deputados do PSD, que não o líder do PSD?
Na minha opinião, e eu não falei com o grupo parlamentar sobre esse assunto, essa seria uma linha que não devemos trespassar. Penso que a Assembleia da República, uma comissão permanente, não deve chamar a senhora procuradora a prestar esclarecimentos. Falei de separação de poderes e isso leva-me a dizer que essa é uma linha que não deve ser trespassada. O Partido Socialista tem sido muito conservador em fazer afirmações até porque a entidade que foi objeto de buscas foi o PPD/PSD. Tenho procurado, com lealdade institucional, que o PPD/PSD tenha espaço para dar os passos que entende, sendo que foi o partido que foi objeto de buscas.
Compreende que o primeiro-ministro tenha, esta semana, impedido um jornalista de acabar uma pergunta sobre este tema. Não pode ser entendido como arrogância?
Não... Posso acabar a resposta à pergunta anterior? O que eu estava a dizer é que os esclarecimentos podem ser prestados sem passarmos essa linha, isso parece-me evidente. O primeiro-ministro aquilo que fez foi o que acontece várias vezes: é dizer que, evidentemente, estava naquele quadro a responder - penso que no fim de uma cimeira da UE/CELAC - e que as respostas que ia dar e que estavam no perímetro daquilo que estava a fazer fora do país, neste caso em Bruxelas. Não me parece que isto tenha a ver com qualquer inibição da atividade jornalística.
Os partidos que foram ouvidos recentemente pelo presidente da República em Belém, no fim deste ciclo político, queixaram-se do PS agir como um “rolo compressor” na Assembleia da República, de “pulsões autoritárias”, de “falta de diálogo”. A maioria absoluta subiu à cabeça do PS?
Tenho dificuldade nessa ideia de subir à cabeça do PS. Nós temos uma maioria para governar e para cumprir o nosso programa. Agora, o que não podemos ter é uma minoria rolo compressor. O PS tem direito a ter opinião sobre os temas que são apresentados. Mas tem uma obrigação democrática - que está no ADN do partido - de dialogar com as oposições para construir soluções que sejam soluções melhores. Repare: o grupo parlamentar do PS aprovou tantas ou mais alterações ao Orçamento de Estado de 2022 e 2023 suas do que dos partidos da oposição. Nunca os partidos da oposição tinham tido tantas alterações aos Orçamentos de Estado aprovadas como com esta maioria absoluta. Não compara sequer com a maioria PSD/CDS, que nos governou em 2011 e 2015, que basicamente não aprovava alterações dos outros partidos.
Já percebi que não apoia estas críticas.
Quero-lhe ilustrar só com um caso: o Mais Habitação. O Partido Socialista aprovou aproximadamente uma dúzia de propostas de alteração dos partidos da oposição, a maioria vindas do PPD-PSD. Os partidos entenderam levar a plenário as suas propostas. E nós tivemos na quarta-feira uma longa votação em que todas as propostas apresentadas pela oposição foram chumbadas. Mas com uma curiosidade: é que todas aquelas que eram apresentadas à direita eram chumbadas pelo PS e pelos partidos à esquerda. Todas aquelas que foram apresentadas pela esquerda eram chumbadas pelo PS com os partidos à direita. Portanto, quando dizem que é o PS, não: é a opinião do PS. E as propostas não são boas só porque vêm da oposição. Há propostas que são más, que entram em conflito com o programa do Governo. Todas as semanas o grupo parlamentar do PS se reúne para apreciar cada uma das propostas de lei, dos projetos de lei e dos projetos de resolução e procura genuinamente viabilizar propostas da oposição. E viabilizámos tantas que aproximadamente metade das leis aprovadas nesta sessão legislativa tiveram origem na oposição.
Há uma questão pendente neste momento com o presidente da República: é a promulgação do diploma sobre a progressão da carreira dos professores, que o presidente está a analisar há um mês e já fez saber que pediu esclarecimentos ao Governo. O Governo tem dito que não há margem orçamental para responder a todas as exigências dos professores, atendendo ao impacto financeiro que isso teria. Caso o PR decida vetar o diploma, isso pode abrir uma crise no Governo?
Não vejo…O Governo fez um enorme esforço para ir de encontro às questões suscitadas pelos professores. Temos acompanhado o processo no Parlamento e desde o ponto de vista da coordenação política. Quer mais vinculações, aumentar o número de quadros de zona pedagógica...
Isso sabemos. O que sabemos é que o presidente também tem dúvidas e a possibilidade de veto está em cima da mesa. Se tal acontecer…
… E um instrumento de progressão acelerada, particularmente para aqueles que mais prejudicados foram durante o período de congelamento. Agora é preciso ter a noção de que o país, quando define regras para os professores - que são um corpo muito importante, fundamental - define regras que têm impacto transversalmente nas administrações públicas. E o país não pode tratar os professores de forma diferente da que trata muitos daqueles que tiveram também as suas vidas congeladas, salários e progressões nas carreiras congeladas. Por isso, o esforço que temos vindo a fazer - sabendo que há uma grande frustração na classe docente, que é reconhecida - é criar instrumentos que procurem aproximar, de forma sustentável para as finanças públicas, as soluções dos problemas que são identificados. Este processo negocial teve que ser bastante criativo porque a solução de desbloqueamento e de aceleração da progressão é uma solução muito criativa, que pode vir a ser aplicada, com modelações e de forma diferente, noutras carreiras da Administração Pública, isso teremos que ver. As carreiras especiais são diferentes, há a carreira geral. Mas temos que garantir espaço para a qualificação da Administração Pública, para a valorização dos funcionários públicos e dos salários intermédios e superiores da Administração Pública. A Administração Pública não pode perder competitividade de recrutamento nalgumas funções fundamentais e as decisões que tomamos numa carreira em concreto, neste caso nos professores, têm um impacto transversal. E é por isso que o primeiro-ministro diz que é presidente do sindicato dos portugueses, é nesse sentido.
Ouça a entrevista completa este domingo ao meio-dia na TSF