Ex-cônsul diz que ninguém lhe falou das gémeas e confirma venda de vagas no consulado
Paulo Jorge Nascimento, antigo cônsul-geral de Portugal em São Paulo, recusa ter sido contactado para acelerar o pedido de nacionalidade das gémeas ou que lhe tenham falado do caso. Nega que houvesse empresas a gerir o agendamento no consulado, como diz Berta Nunes. Mas há "despachantes a vender vagas a cidadãos".
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"Nunca fui contactado por ninguém" e "nunca ninguém da comunidade portuguesa me falou deste caso", afirmou esta sexta-feira, negando também contactos com o Governo português ou com Belém. Ouvido por videoconferência na comissão parlamentar de inquérito ao caso das gémeas luso-brasileiras tratadas em Portugal, o ex-cônsul e atual embaixador na China defendeu que apenas soube do caso quando foi notícia em Portugal.
Nem Belém, nem Governo
"Nunca tive nenhum contacto nesse sentido, nem da Casa Civil nem do Governo", respondeu ao líder do Chega, André Ventura.
Em concreto, Paulo Jorge Nascimento começou por afirmar que nunca teve "qualquer contacto" com a mãe das gémeas, Daniela Martins, e que o pedido de nacionalidade foi feito pela plataforma online, seguindo o processo "habitual". E reforçou depois que nem Nuno Rebelo de Sousa, nem qualquer outra pessoa lhe falou deste caso, mas admitindo que conhecia na altura o filho do presidente da República e a companheira Juliana Drumond.
"Fazia parte das minhas funções ter contacto com a comunidade portuguesa", recordou, falando de "variadíssimos" contactos de cariz social com Nuno Rebelo de Sousa. "Saí de São Paulo em 2022 e, portanto, coincidimos sim. Eu em funções como cônsul-geral e ele como presidente da câmara de comércio", explicou. Além disso, confirmou que encontrou Juliana Drumond "várias vezes".
"Nunca recebi um email sobre esta matéria"
"Nunca ninguém me falou do assunto", reforçou, embora admitindo que o caso das gémeas fosse assunto "em alguns circuitos" da comunidade portuguesa. Insistiu que só teve conhecimento do caso "quando foi agora suscitado" em Portugal. Mas os deputados questionaram como é possível apenas ter tido conhecimento através da comunicação social.
"A mãe das crianças fala com todas as pessoas com que consegue, Nuno Rebelo de Sousa fala com todas as pessoas com que consegue, e ninguém fala com o cônsul?", perguntou, por exemplo, Joana Cordeiro da IL. "Exatamente (...). Nunca a mãe falou comigo, nunca ninguém na comunidade portuguesa falou comigo, nunca recebi nenhum email sobre esta matéria", insistiu Paulo Jorge Nascimento. "Fiz uma pesquisa tão cuidadosa quanto consegui. Não tenho nenhum contacto sobre isto nos meus emails", afirmou depois.
"Não havia empresa externa a gerir agendamentos"
A deputada liberal perguntou também se havia uma empresa externa a gerir os agendamentos no consulado. "Não, não havia", respondeu o ex-cônsul, afirmando ter ficado "surpreendido" com essa afirmação feita por Berta Nunes, ex-secretária de Estado das Comunidades Portuguesas, na comissão parlamentar de inquérito. "Não havia uma empresa externa a gerir os agendamentos", assegurou o inquirido. Em 2019, "as pessoas agendavam-se diretamente" para atos consulares no site criado pelo seu antecessor.
O atual embaixador confirmou, porém, à deputada bloquista Joana Mortágua, a existência no Brasil de "despachantes" que passam o dia ao computador a apropriar-se de vagas para depois as vender a cidadãos. Mas "são coisas diferentes", sublinhou, recusando a ideia transmitida pela ex-governante.
"Escritórios de despachantes" vendem vagas a cidadãos
"Pode haver situações, e havia situações, e eram-nos reportadas, em que os chamados escritórios de despachantes, ficavam todo o dia a tentar agendar pessoas no consulado-geral. Depois de terem agendado pessoas, vendiam estas vagas", detalhou em seguida, assegurando que tentou evitar a "usurpação" e "as burlas" no acesso às vagas do consulado.
João Almeida, do CDS, perguntou se havia a possibilidade de os pais das gémeas terem comprado uma vaga a alguém, em vez de agendarem diretamente no consulado, mas o ex-cônsul disse não ter razões para acreditar que o agendamento não tenha sido feito de forma "normal".
Na audição, esclareceu ainda que o processo de nacionalidade começou em abril e acabou em setembro de 2019, prazo "normal" para estes pedidos. "Era um processo simples, do mais simples que há. Por isso, não estranho o tempo de quatro meses", assegurou, insistindo que o pedido seguiu o processo "normal" e que, da informação que tem, os serviços da embaixada não foram contactados.
"Um processo como milhares"
Foi "um processo como milhares de outros que eram tratados no consulado-geral de Portugal em São Paulo anualmente", afirmou igualmente, quando naquele ano de 2019 foram processados "mais de 90 mil" pedidos naquele consulado.
Disse também que "a única deslocação de funcionários do consulado ao hospital" de que tem conhecimento foi para recolher dados biométricos das gémeas. "É a única deslocação que posso confirmar", respondeu aos deputados. E defendeu que a intervenção do consulado findou quando foi entregue o cartão de cidadão às duas gémeas.