Ex-diretor clínico do Santa Maria admite ter havido "sinalização da tutela" no caso das gémeas
Luís Pinheiro, ex-diretor clínico do Santa Maria, admitiu esta quarta-feira ter havido uma "sinalização" por parte da secretaria de Estado da Saúde no caso das gémeas brasileiras, mas negou que tenha recebido qualquer contacto por parte da Presidência da República, do filho do presidente, ou de Lacerda Sales.
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Numa entrevista à RTP3, esta quarta-feira à noite, Luís Pinheiro confirmou que quando foi informado por uma médica do hospital sobre o caso das duas meninas, foi-lhe dito que o caso tinha sido "sinalizado" pela secretaria de Estado, mas negou a possibilidade de que a primeira consulta tenha sido marcada por parte de alguém da tutela, pois é o hospital que marca as consultas.
"Foi-me dito que essa sinalização teria origem externa eventualmente no âmbito da tutela", disse. Quando questionado sobre se essa sinalização tinha sido feita pela Secretaria de Estado da Saúde, o médico respondeu: "Sim, havia essa menção", dizendo que tal consta no processo das duas bebés.
Já quanto à marcação da consulta, Luís Pinheiro garantiu que tal não pode ter sido feito por ninguém de fora do hospital. Quem marca consultas são os médicos ou os assistentes, disse, defendendo, contudo, que as bebés luso-brasileiras tinham o direito de ser vistas no hospital e que essa decisão compete aos médicos.
Embora tenha admitido que uma sinalização por parte da tutela para marcação de uma consulta "pode constituir um desvio" à portaria que regula as referenciações hospitalares, Luís Pinheiro não questionou os médicos sobre quem tinha sido o governante que o fez: "Não, porque a minha preocupação é clínica". Na entrevista, não foi questionado sobre o facto de as meninas virem do Brasil e da eventual influência que isso podia ter ou não na decisão clínica.
O ex-diretor clínico negou ter sido contactado por Belém, pelo Governo e pelo filho do presidente da República, assegurando que um eventual contacto não teria "qualquer consequência" porque os decisores "tomam as decisões clínicas em função das situações clínicas dos doentes". Não houve, quanto a Luís Pinheiro ou ao Conselho de Administração, ordens de cima, garante: "Não existiram ordens, e mesmo se existissem elas seriam absolutamente inconcebíveis e não enquadráveis no processo de decisão clínica".
Luís Pinheiro negou ainda que houvesse dificuldades no acesso ao atendimento e ao medicamento: "É uma doença raríssima em que há muito poucos médicos com conhecimento e que, pela sua raridade, não tem lista de espera". Recorde-se que, segundo Marcelo Rebelo de Sousa, a Casa Civil da Presidência da República foi informada pelo Hospital de Santa Maria que "a prioridade é dada aos casos que estejam a ser tratados nos hospitais portugueses".
O ex-diretor clínico desmentiu que tenha sido o intermediário das pressões externas junto do corpo clínico, assegurando que "de forma alguma" tenha existido uma recusa inicial dos médicos em aceitar administrar o tratamento às gémeas brasileiras.
Aliás, Luís Pinheiro foi mais longe e saiu em defesa da decisão clínica e do Zolgensma. Argumentou que a decisão foi tomada com base na opinião da médica especialista do Santa Maria, sustentada na autorização que o medicamento já tinha nos Estados Unidos da América, e enumerou várias vantagens: "É de administração única, evita que haja injeções de quatro em quatro meses na espinal medula de bebés e tem vantagem económica a prazo". Além disso, completou, tem "melhores" resultados que os tratamentos alternativos.
Sem elaborar muito sobre o negócio de compra do Zolgensma, o ex-diretor clínico revelou que o preço dos primeiros três tratamentos foi inferior a seis milhões de euros, dado que foi pago "em 50 meses e em função dos resultados", ao abrigo de um acordo com a empresa fornecedora.
Em resposta ao médico António Levy Gomes, que tinha dito à TVI que se sabia "nos corredores" que o tratamento ocorreu por influência de Marcelo Rebelo de Sousa, Luís Pinheiro foi perentório: "Não sabia da existência do rumor. Cada um será responsável pelas afirmações que faz. Nos corredores se calhar isso era conhecido, mas eu nunca tive conhecimento".
"Tratámos quem precisava e no momento em que precisava", disse, garantindo estar "de consciência tranquila" e disponível para dar todos os esclarecimentos que lhe venham a ser pedidos nos inquéritos em curso.