O modelo de exames, aplicado no ano passado e este por causa da pandemia, com um grupo de perguntas opcionais em que só contam para a nota as melhores classificadas pode manter-se nos próximos anos, acredita Luís Pereira dos Santos, presidente do Instituto de Avaliação Educativa (IAVE), entidade responsável pela produção das provas nacionais.
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Este ano, os exames do Secundário vão ter mais itens obrigatórios. Foi uma das lições aprendidas durante a pandemia, assumiu Luís Pereira dos Santos. À frente do IAVE há cerca de dois anos, defendeu em entrevista ao JN que concorda com a revisão dos critérios que compõem a média de candidatura ao Ensino Superior, como a redução do peso da prova de ingresso (50% na maioria dos casos) mas discorda da alteração do regime de acesso. E quanto à possibilidade de este ano os alunos puderem fazer melhorias de nota, por decisão do Parlamento, alerta que vai ser preciso um plano de contingência porque as provas já foram impressas.relativamente a todo o percurso escolar dos alunos. O Básico também prepara os alunos para o Secundário. Não se pode ver o sistema educativo de forma fragmentada. Está construído de forma contínua, pretende-se que haja ligação entre os vários ciclos para os alunos irem progredindo no seu percurso académico. O secundário tem de preparar alunos para tudo o que queiram fazer na vida. Preparar alunos para os exames não tem mal, o problema é se os estão a preparar bem ou não. E preparar bem para exames é usar todas as estratégias para que percebam melhor os conceitos, se aprenderem bem o currículo fazem bem as provas.
A percentagem de escolas com média negativa desceu de 20% para 1,6%. Deve-se às alterações na avaliação externa?
Existiram três fatores: a forma como foram classificadas as provas (que já estavam prontas), como estruturámos a cotação de cada ítem, pode ter sido um promotor da subida, sem dúvida nenhuma. Foi muito pensado e chegámos à conclusão que não podíamos fazer de outra forma porque não podiamos colocar o ónus da escolha nos alunos. Seria eticamente inaceitável estar a colocar alunos nessa posição, aé podiam escolher um ítem que não tivesse a melhor classificação. Não havia outra hipótese e já esperávamos que as médias subissem. Outro fator fundamental foi os alunos só terem feito exame como prova de ingresso. Houve subida da média por falta de comparência de muitos alunos que teriam mais dificuldade. Um terceiro factor foi os alunos terem de fazer menos exames e puderem dedicar mais tempo à preparação.
Esse modelo de exame com perguntas opcionais pode manter-se nos próximos anos?
É uma questão que estamos agora a estudar. Vamos aproveitar a oportunidade deste segundo ano de aplicação de provas em circunstâncias muito idênticas para perceber se é um modelo que tem futuro ou não. A nossa perspectiva é que terá futuro. O facto de termos um sistema de cotação com itens que podem não contar para a classificação final não implica que as provas não tenham máximo rigor. Parece que exames são mais fáceis, nada que se pareça. As provas têm de ter graus de dificuldade o mais semelhante posssível. Nos últimos anos temos pensado numa alteração na forma de classificação das provas, na linha anglosaxónoca em que todos os ítens tenham a mesma cotação. A ideia de que quanto mais difícil ou mais complexo maior cotação deve ter - em avaliação chama-se dupladiscriminação: um aluno médio já fica discriminado por causa da complexidade e dificuldade do ítem e também por causa da cotação. No fundo pretende-se eliminar essa dupla discriminação e não prejudicar os melhores alunos que terão sempre a mesma nota. Temos é mais alunos com positiva nos exames. Temos vindo a fazer essa mudança gradualmente nos últimos anos.
Que lições retiraram da pandemia?
Uma das lições é esta: é possível termos ítens em alternativa. Há conteúdos que os alunos têm mais dificuldade e há outros que dominam, tendo ítens em alternativa estamos a dar oportunidade a um aluno. Mais. Estamos a procurar mais o que ele sabe do que o ele não sabe sem deixar de cumprir, em termos de mínimos obrigatórios o que é fundamental. A grande lição que aprendemos do ano passado é que tínhamos de ter mais ítens obrigatórios, porque temos de garantir que estamos a avaliar uma amostra do currículo que é representativa e portanto aumentámos um pouco o número de itens obrigatórios. É uma questão de representatividade. Por exemplo no caso do Português, no limite a gramática corria o risco de ficar totalmente de fora da obrigatoriedade; ou na Física, não responderem quase nada de Química, não é aceitável. Este ano já alargámos um pouco os itens obrigatórios e também já pensamos como isto poderá ter continuidade nos próximos anos sem comprometer a representatividade das provas e a sua qualidade e rigor.
Os exames aferem os conhecimentos ou fazem a seriação dos alunos?
Os exames têm uma função de seriação muito forte. Sem dúvida nenhuma. Mas têm também uma função formativa, não tanto para os alunos que os fizeram mas dão um "feedback" aos professores e às escolas do que se passou naquele coorte de alunos que fez exame portanto também tem caráter formativo para escolas e professores. Fazemos todos os anos divulgação, a cada escola, dos relatórios técnicos com resultados por item de cada prova. As escolas podem olhar para o item e perceber qual das estratégias usadas pelos professores resultou melhor, por exemplo.
E as escolas fazem essa reflexão?
Muitas fazem, muitas ainda não. Não percebem ou não se consciencializam do poder daquela informação. É muito poderosa a informação que resulta da avaliação externa. O projeto PAR que lançámos só trabalha com escolas com provas de aferição mas pode transpor-se para relatórios técnicos dos exames do secundário. Quando vamos às escolas ficam muito gratos por perceber como é que os relatórios podes ser usados para a melhoria das aprendizagens. O feedback é fundamental. Em todas as situações da vida, aprendemos errando, não há outra forma de aprendizagem desde que nascemos. A avaliação externa é um olhar exterior sobre os alunos, o que mais aprendeu onde tem mais dificuldades. As escolas no início pegavam nos relatórios e enviavam aos encarregados de educaçãao, pronto estava feito. Isto é uma visão muito minimalista de todo o potencial que aqueles relatórios têm e nós conseguimos trabalhar isso com as escolas. Onde estivémos ficaram muito satisfeitas. Este ano vamos tentar alargar o número de escolas. A intenção é que cada agrupamento transmita informação às escolas vizinhas.
Os períodos passados em ensino à distância provaram que as escolas têm de abandonar a cultura dos dois testes por período?
As escolas têm de aprender muito quanto ao ensino à distância. A didática não pode ser a mesma. Não vejo como se pode fazer um instrumento de avaliação, tipo teste. Têm de perceber que não é o único instrumento de avaliação. Tem de existir, é um instrumento que dá informações fundamentais, não podemos diabolizar testes. O contrário a mesma coisa, em aulas à distância veria muito mais facilmemte uma avaliação oral em que aluno fosse interpelado, fizesse apresentação oral. O problema é validar o resultado, será que o aluno está ou não a copiar, percebo a preocupação dos professores mas então num ensino à distância não façam testes, façam quizz's. Os professores têm de diversificar instrumentos de avaliação, apesar de os testes terem de continuar a contar. A avaliação tem de ser conjunto de tudo. A cristalização que existe nos exames que são avaliações pontuais não pode acontecer na avaliação interna que é contínua.
Considera que o Ensino Secundário está refém do modelo de acesso ao Ensino Superior?
Sou um pouco contra essa opinião. Penso que é um erro considerar o Secundário como um ciclo autónomo relativamente a todo o percurso escolar dos alunos. O Básico também prepara os alunos para o Secundário. Não se pode ver o sistema educativo de forma fragmentada. Está construído de forma contínua, pretende-se que haja ligação entre os vários ciclos para os alunos irem progredindo no seu percurso académico. O secundário tem de preparar alunos para tudo o que queiram fazer na vida. Preparar alunos para os exames não tem mal, o problema é se os estão a preparar bem ou não. E preparar bem para exames é usar todas as estratégias para que percebam melhor os conceitos, se aprenderem bem o currículo fazem bem as provas.
Chegou o momento para se rever o modelo de acesso ao ensino superior ?
É uma opinião muito pessoal. Este modelo tem mais vinte anos (1996) sem nunca ter tido grandes polémicas. Se forem universidades a fazerem as suas próprias provas de ingresso, quem prepara os alunps? A falta de equidade dessa proposta é que as secundárias vão deixar de os preparar para os exames e pesará ainda mais quem tem meios para pagar explicações. Assim todas as escolas se preocupam com todos os alunos. Com numerus clausos, nem todos podem entrar no mesmo curso, tem de haver um ponto em que haja uma seleção e prefiro que essa seleção seja feita com exames de boa qualidade, que as pessoas sintam que há uma certa justiça e que sintam mesmo com dificuldades que o exame foi igual para todos. Creio que o nosso sistema podia melhorar. Por exemplo, a prova de ingresso não contar tanto (50% em muitos casos). Creio que se podia trabalhar os fatores que contribuem para a nota de candidatura. Isso sem dúvida.
Uma maioria parlamentar aprovou a possibilidade de este ano os alunos puderem fazer melhorias às notas do Secundário. Estamos quase no fim do ano letivo, que consequências pode ter esta alteração?
Pode agravar as desigualdades porque no ano passado não aconteceu, isso é um facto. Depois, o processo dos exames não se compadece com alterações cronigrama. GNR e PSP dizem-nos que a operação mais compexa que têm anualmente é a dos exames. Começamos a fazer provas em setembro, que passam por várias validações, normalmente entregamos as do Básico em abril para a Editorial começar a imprimir e em maio entregamos as do secundário. Portanto já estão todas entregues para impressão neste momento. O JNE tem de fazer inscrições em fevereiro porque depois vai comunicar à Editorial com as inscrições que tem, quantos sacos tem que fazer de provas para cada escola. A Editorial depois comunica às forças de segurança onde têm de ser entregues as provas todos os dias. Isso não se compadece com um cronograma que termina em junho. É impossível. Obviamente haverá medidas de contingência. E as essoas têm de ficar cientes que vamos conseguir montar a operação. Não deve haver alarme social, com maior ou menor dificuldade, quando não se fala do processo melhor. É das maiores operações logísticas do país, envolve diversas entidades (IAVE, JNE, Editorial, Forças de Segurança e Dgeste por causa da rede de escolas), mas decorre de forma muito suave. Há problemas mas são todos resolvidos.
Que tipo de problemas? Gralhas detetadas à última hora?
As gralhas são extremamente raras, desde que há seis ou sete anos introduzimos um sistema duplo de verificação. Nem gralhas, nem erros científicos. Mas quando há, através das delegações regionais do Júri Nacional de Exames (JNE) comunicamos às escolas para porem uma errata no quadro. Ninguém é imune a erros. Às vezes acontecem (quando estava no JNE), por exemplo, uma escola ligar às 9 horas, por causa de um exame às 9 e 30 horas, a dizer-nos: falta-nos um saco. Isso é muito mais complicado! Nesses casos term de ser o nosso sistema de contingência a resolver: o JNE liga à Editorial (que coordena distribuição) que liga às forças de segurança, que têm sacos de reserva, no comando territorial e vai uma mota ou um carro da polícia com pirilampos a correr. Se chegar 15 minutos depois da hora marcada, o tempo depois é compensado. Importante é os alunos mantenrem-se calmos.