A pandemia acelerou o recurso à digitalização, mas há centros de saúde com uma câmara para oito médicos. A ANAFRE negoceia com o Governo para dotar as mais de três mil freguesias de equipamentos informáticos.
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Se a transição digital já era um caminho inevitável, a pandemia veio acelerar o processo e obrigar a população, incluindo os mais velhos, a mergulhar definitivamente no online. Inseguros e com competências tecnológicas débeis, grande parte dos idosos precisa de apoio para acompanhar o ritmo, mas faltam meios. A maioria dos centros de saúde não tem equipamentos que permitam a realização de teleconsultas e há unidades só com uma câmara para partilhar com todos os médicos. Os cuidados primários e as freguesias apelam ao reforço urgente destes instrumentos.
Numa década, Portugal aumentou em 30 pontos percentuais o número de agregados familiares com ligação à Internet em casa. O confinamento fez aumentar as compras online, mas essa ferramenta continua a ter pouca expressão junto da população das faixas etárias mais elevadas.
Das declarações de isolamento aos certificados de vacinação, a crise sanitária forçou a Saúde a criar mecanismos eletrónicos que acorressem aos utentes, com rapidez e eficiência, mas a estrada digital tem percalços a corrigir. "Falta equipamento do lado dos centros de saúde, muitas unidades não têm equipamento que possibilite a realização de videochamadas", afirma Nuno Jacinto.
Para o presidente da Associação Portuguesa de Medicina Geral e Familiar, a teleconsulta teve um desenvolvimento aquém das expectativas e dá o exemplo do centro de saúde onde trabalha, em Évora, que, no início da pandemia, não tinha câmaras de vídeo. Hoje tem um computador com uma câmara para oito médicos. "Não é exequível".
Ao JN, os Serviços Partilhados do Ministério da Saúde definem a transição digital como "estratégica" para "modernizar e simplificar" os serviços de Saúde e lembram os 300 milhões reservados no Plano de Recuperação e Resiliência (PRR).
Ser mais intuitivo
Além da carência de meios eletrónicos, a baixa literacia dos utentes, sobretudo dos mais idosos, constitui um entrave à digitalização e o "velhinho telefone" continua a ser o mais utilizado.
Nuno Jacinto recorda que a transição na Saúde começou há vários anos, com a implementação da receita eletrónica, que foi "um grande avanço", mas é preciso fazer mais, como criar plataformas mais intuitivas e acessíveis a todos. "Não podemos querer adaptar as pessoas à tecnologia. Esta tem de adaptar-se à realidade, para facilitar a vida e não dificultá-la". Há utentes que acedem ao Portal do Utente e marcam consultas por e-mail, mas há outros com grandes dificuldades, que recorrem à família para chegar aos médicos. Nuno Jacinto salienta o papel fulcral das juntas de freguesia na facilitação de contactos, mas também precisam de mais meios para ajudar.
Jorge Veloso, presidente da Associação Nacional de Freguesias (ANAFRE), reconhece que a falta de meios é uma dificuldade e revela, ao JN, que encetou negociações com a ministra da Modernização do Estado para que, no âmbito no PRR, as três mil freguesias pudessem receber equipamentos. "É premente suprimir esta dificuldade e permitir a difusão nos territórios de baixa densidade".
Ao JN, o Governo frisa que as autarquias e outras entidades poderão beneficiar, no âmbito do PRR, de novos Espaços Cidadão e que a meta é atingir 300 novos espaços até ao final de 2026. Das 36 candidaturas apresentadas, 34 foram aprovadas num investimento de 75,8 mil euros em equipamentos informáticos.
Dissipar o medo de navegar online
Utilizar o correio eletrónico, fazer pesquisas ou conversar nas redes sociais não são novidade para Arminda e Luís Silva. Antes da reforma, o casal de Paredes já tinha aprendido a manobrar algumas ferramentas digitais nas funções que desempenhavam enquanto técnicos administrativos. Com a evolução online a avançar a galope, sentiram a necessidade de saber mais.
"As coisas cada vez evoluem mais e nós temos cada vez mais dúvidas e mais medo", aponta Luís. A segurança na Internet foi o motivo que os levou a inscreverem-se no "Eu Sou Digital", um programa do Governo que quer combater a iliteracia digital. Sentados em frente ao computador, com os smartphones pousados na mesa, acompanham as explicações da professora Sofia Monteiro, uma jovem de 23 anos que se voluntariou para ensinar a população sénior do concelho.
Através de uma linguagem prática e descomplicada, a estudante de Belas Artes segue o guião e começa por explicar como se navega na Internet e como se utilizam motores de busca. A conversa salta logo para a segurança.
"Sempre que abrirem uma página na Internet, certifiquem-se que aparece este cadeado no canto. Se aparecer, significa que a página é segura", esclarece a mentora, sob o olhar atento dos alunos, que soltam uma interjeição para assinalar a aprendizagem. "A professora mencionou uma questão que, para mim, foi uma novidade. Agora, quando estiver a pesquisar alguma coisa, já sei, posso estar à vontade", aponta Luís.
E-mail é uma necessidade
Com o desenrolar das aulas, Arminda espera ganhar confiança para dominar o comércio online, área que ainda não se atreve a explorar.
Adepta do digital, a paredense de 64 anos concorda que a Internet veio facilitar a comunicação na pandemia, sobretudo no que diz respeito à saúde. "Ainda ontem mandei um e-mail à médica da minha mãe, que está doente e sofre de Alzheimer, a perguntar se podia fazer a consulta por telefone para não termos de nos deslocar ao hospital. A medicação também peço por e-mail. É muito útil".
A criação de um correio eletrónico tem sido a principal necessidade dos seniores que chegam ao Polo de Empreendedorismo, mas Sofia Monteiro explica que os conteúdos são ajustados de acordo com as dificuldades. "A segurança não tem sido muito abordada, porque os alunos não têm noção, não estão consciencializados para essa questão. E é aí que eu entro". A professora inscreveu-se como voluntária através do Instituto Português da Juventude (IPDJ) e apela a que mais jovens o façam. "O que para mim é simples, para alguém que não saiba faz toda a diferença. É um pequeno gesto que não custa nada".
No concelho, o "Eu Sou Digital" conta com 20 inscritos, em Paredes e em Gandra. Alexandre Almeida acredita que as autarquias têm um papel importante na implementação destes projetos e devem funcionar como "organismo facilitador". "A forma como o programa é flexível, uma vez que permite marcar horários diferentes e definir conteúdos de acordo com as necessidades de quem participa, é uma virtualidade", aponta o presidente da Câmara Municipal, salientando o caráter intergeracional do projeto que aproxima os jovens dos seniores.