Famílias a Sul enfrentam longas deslocações para terem consultas em hospitais de referência. Especialistas alertam que é preciso aplicar plano já desenhado.
Corpo do artigo
As consultas e o acompanhamento da obesidade infantil no SNS continuam a não atingir o nível desejado. E há assimetrias regionais que afetam sobretudo famílias no Sul do país. Num ano em que se espera conhecer um novo balanço europeu sobre a prevalência da doença, os especialistas, ouvidos pelo JN, alertam para a urgência de implementar um plano para melhorar o acesso ao tratamento, desde logo ao nível dos cuidados primários.
Entre 2019 e 2022 observou-se um aumento de 2,2% na prevalência de excesso de peso infantil, passando de 29,7% para 31,9%, e de 1,6% na obesidade infantil, de 11,9% para 13,5%, segundo o último estudo Childhood Obesity Surveillance Initiative (COSI), da Organização Mundial da Saúde/Europa, coordenado em Portugal pelo Instituto Nacional de Saúde Doutor Ricardo Jorge. A mudança de hábitos trazida pela pandemia veio contrariar a tendência de decréscimo que se tinha verificado de 2008 e 2019. De 2008 a 2022, os valores aumentaram, respetivamente, 7% e 12%.
Paula Freitas, Sociedade Portuguesa de Endocrinologia, Diabetes e Metabolismo (SPEDM), sublinha que “as assimetrias existem”. É na região Norte e no Alentejo onde se regista uma maior prevalência de obesidade infantil. Já nas ilhas, os valores são mais elevados nos Açores. A endocrinologista lembra que foi precisamente naquela região autónoma implementado “um programa liderado por nutricionistas, que teve impacto” “É preciso estar atento e monitorizar. Sempre que há algum tipo de intervenção, conseguimos melhorar. Obviamente, não conseguimos melhorar tudo, mas conseguimos melhorar uma percentagem de pacientes”, salienta.
Há famílias do Algarve e de algumas regiões do Alentejo a deslocarem-se centenas de quilómetros até ao Hospital de Santarém, o centro de referência mais próximo, para serem acompanhados em consultas, por uma equipa multidisciplinar, relata Mário Silva, presidente da Associação Portuguesa Contra a Obesidade Infantil (APCOI). O que acaba por comprometer a continuidade do tratamento.
“A criança pode ser vista pelo pediatra num dia, mas depois a consulta da nutricionista é só na próxima terça-feira. E isso envolve deslocações, não facilita. Por muita vontade que os pais tenham de apoiar os filhos nesta jornada, por vezes têm que optar por uma das consultas”, sublinha.
Sem comparticipação
Entre as crianças mais novas, o tratamento passa pela correção dos comportamentos alimentares e a prática de exercício físico. Apenas as crianças a partir dos 12 anos podem fazer tratamento farmacológico. Existem dois fármacos disponíveis em Portugal. Mas esta via é pouco comum: nenhum medicamento para o tratamento da obesidade é comparticipado, o que dificulta o acesso, explica Paula Freitas.
“A obesidade é uma doença multifatorial, complexa, e das que tem mais complicações. Que precisa de ter acompanhamento por vários profissionais de saúde. É crucial uma ação coordenada, na prevenção primária, para evitar que desenvolvam obesidade. Na secundária, para quem tem a doença, mas ainda não tem comorbilidades. E, depois a terciária, isto é, o tratamento para não desenvolverem outras complicações. Temos de agir para não piorar”, resume a médica especialista.
Em março, foi anunciada a criação de um centro de responsabilidade integrado de obesidade, bem como a comparticipação, até ao fim deste ano, dos fármacos. “Há um plano integrado assistencial para a obesidade, desenhado para os centros de saúde e hospitais, que precisa de ser implementado”, alerta Paula Freitas. Por agora, o plano parou com queda do Governo.
Conselhos para as famílias
Atenção a desvios dos padrões normais
Não há uma idade mínima para estar atento ao excesso de peso. As crianças crescem dentro dos padrões das curvas de crescimento e de índice de massa corporal – conhecido como IMC e calculado a partir da relação entre o peso e a estatura – adequadas à idade e ao sexo. Entre o percentil 85 e 95 é diagnosticado excesso de peso. Já acima do percentil 95, trata-se de um caso de obesidade infantil.
Procurar o pediatra ou o médico de família
Quanto mais cedo o diagnóstico, mais rápido podem começar a ser implementados hábitos de alimentação saudáveis, com a ajuda de profissionais de saúde, evitando outros problemas de saúde associados à obesidade. Antes de qualquer dieta ou restrições, é importante consultar o pediatra ou médico de família.
Criar uma rotina alimentar saudável
As crianças estão em fase de crescimento: é importante estabelecer uma rotina alimentar saudável, com três refeições principais e lanches saudáveis, em que se evite petiscar fora de horas. É importante “perceber quais foram as refeições na escola para tentar criar a variabilidade e o equilíbrio com aquilo que come à noite”, sublinha Helena Real, secretária-geral da Associação Portuguesa de Nutrição (APN).
Não proibir totalmente
É importante falar com as crianças sobre os alimentos e as escolhas que são mais saudáveis. Não é benéfico proibir totalmente alimentos de menor qualidade nutricional. Deve-se permitir ocasionalmente com moderação.
Promover atividade física diária
As brincadeiras ao ar livre, as caminhadas, a prática de desporto ou andar de bicicleta são boas formas de promover a atividade física entre os mais novos. Por dia, são recomendados pelo menos 60 minutos de atividade física.