Estabelecer um prazo limite para que os herdeiros façam as partilhas pode ajudar a resolver o problema das heranças indivisas, situação em que se encontra 30% da propriedade rústica em Portugal.
Corpo do artigo
O Grupo de Trabalho para a Propriedade Rústica (GTPR), criado em 2021, já publicou um relatório com o diagnóstico da realidade portuguesa e está a preparar propostas de solução para entregar ao Governo. O documento será hoje apresentado em Bragança.
O relatório que faz o diagnóstico da propriedade rústica analisou dados da Autoridade Tributária e concluiu que dos 11,5 milhões de prédios rústicos existentes, 3,4 milhões (30%) encontram-se em situação de herança indivisa, ou seja, são heranças que ainda não foram objeto de partilha. Em Portugal não existe obrigação de proceder à partilha, o que faz com que os casos se arrastem.
No nome dos trisavôs
"Há um conjunto grande de problemas [relacionados com o cadastro], mas este das heranças indivisas é um dos mais importantes", adiantou ao JN Rui Gonçalves, coordenador do GTPR, explicando que, com base no diagnóstico, "será apresentada ao Governo uma proposta de atuação" com "medidas concretas".
"Noutros países, nomeadamente França e Espanha, este problema já não existe, mas em Portugal mantém-se. Existem propriedades que continuam a estar no nome dos avós ou trisavós", explica o responsável.
Rui Gonçalves escusou-se a avançar se estão em cima da mesa soluções como as de alguns países nórdicos, em que, após um ano sem entendimento, os bens vão para hasta pública. Mas admite que "a situação que temos não se pode manter". "Uma das coisas que parece óbvia é que tem de haver um prazo para que as heranças sejam feitas". E "de preferência de acordo entre os herdeiros", sublinha.
As heranças indivisas, considera o grupo de trabalho no relatório de diagnóstico, "podem ser comparadas com situações de compropriedade, quanto ao número de titulares, porém, o seu efeito sobre a gestão da propriedade rústica é mais nefasto". Em causa está não só o destino "adiado", mas também acrescidas dificuldades de gestão dos bens e "a sua relação com o abandono da propriedade: os herdeiros das gerações posteriores podem, inclusivamente, já não ter conhecimento da existência dos bens que pertencem a estas heranças indivisas".
Em Portugal não existe obrigação de proceder à partilha e a habilitação de herdeiros, que não é de realização obrigatória, nem inclui qualquer documento com a relação de bens da herança, alertam os especialistas.
Apoio jurídico grátis
Rosário Alves, diretora-executiva da Forestis - Associação Florestal de Portugal, considera que se deve tentar "ir pelo incentivo", procurando uma fórmula que "motive os proprietários a chegarem a um consenso e formalizarem quem é o dono daquela propriedade" em vez de se enveredar por "processos que são mais penosos de resolver pela via jurídica". Para facilitar os procedimentos, poderia haver acesso a "serviços de apoio jurídico e de assessoria técnica a custos comportáveis ou gratuitos".
"A falta de informação e o custo são impedimentos. Deveria haver um sistema de apoio, que poderia ser através das associações de proprietários florestais ou agrícolas", para resolver as situações "por via não litigiosa", acrescenta Rosário Alves, lamentando que a rede associativa se esteja a "desperdiçar".
Também Tiago Oliveira, presidente da Agência para a Gestão Integrada de Fogos Rurais, aponta que as heranças indivisas são um "problema muito grave. Ninguém investe naquilo porque ninguém tem o benefício ou a certeza de ficar com aquela sorte, uma vez feitas as partilhas", levando ao abandono de propriedades. O problema "vai-se agravando" e "carece de solução em várias frentes", diz.
Pormenores
Espanha e França
Nalguns países existe prescrição extintiva de habilitação de herdeiros, aponta o relatório, que especifica que tal acontece no prazo de 30 anos após o óbito em Espanha e no prazo de 10 anos após o óbito em França.
Resolução ágil
Em Espanha, basta a vontade de um dos herdeiros para, no caso de bens indivisíveis, impor a sua venda em hasta pública. Em França não se exige a unanimidade nas decisões, bastando a vontade de qualquer um dos herdeiros para as principais decisões de partilha.