Em 2018, a soma das famílias sem filhos ou que vivem só com um dos pais ultrapassou a dos casais com filhos.
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A família em Portugal está a mudar: o peso das categorias ditas tradicionais está a reconfigurar-se. As monoparentais (em que só um dos progenitores vive com os filhos) são as que mais crescem: 4,6% num ano (2017/2018) e 12% em cinco anos. Aumentam também as famílias sem filhos e caem, acompanhando o ritmo dos anos anteriores, as famílias com filhos. Hoje é o Dia Internacional da Família.
As tendências vêm de trás, segundo o Inquérito ao Emprego, realizado pelo INE, que tem em conta quem habita sob o mesmo teto e forma um agregado doméstico. Em 2018, pela primeira vez, os casais com filhos são em número inferior à soma dos casais sem filhos e das famílias monoparentais: mais de um milhão e 410 mil contra um milhão e 460 mil.
Vanessa Cunha, investigadora do Instituto de Ciências Sociais da Universidade de Lisboa e coordenadora do Observatório das Famílias, lembra que estes dados desenham um retrato num ano: um casal sem filhos em 2018 pode já não o ser em 2019.
"Mudança anunciada"
Admite que o ano de "2018 marca uma alteração entre estes três tipos de família. Mas trata-se de uma mudança anunciada". De qualquer modo, haver menos casais com filhos não quer dizer que as famílias estejam a ter menos filhos. Destaca o exemplo do crescendo das famílias monoparentais, que, por seu lado, também deixaram de estar associadas à ideia de monoparentalidade tradicional, na qual se incluíam "mãe viúva" e "mãe solteira". Categorias ultrapassadas porque se vive mais tempo em casal e as mulheres deixaram de engravidar em idade precoce de forma não planeada.
O aumento das monoparentais explica-se, sobretudo, pelas ruturas conjugais, por via dos divórcios e das separações no caso das uniões de facto, defende. Os divórcios têm ganho expressão em Portugal: em 2017, o rácio divórcio por 100 casamentos atingiu um pico; sendo que 2010 foi o ano com mais divórcios da década (mais de 27 mil). "A dissolução hoje é muito comum", declara. "A fluidez da conjugalidade é maior. Mantém-se a relação enquanto faz sentido e é gratificante para as partes".
O efeito envelhecimento
Por outro lado, o aumento das famílias monoparentais também está relacionado com o envelhecimento. Para a investigadora, esta é uma das explicações tanto para o aumento das monoparentais como das famílias que vivem sem filhos. Uma grande parte são famílias envelhecidas, de pais e mães idosos que vivem com filhos adultos ou, no caso das famílias sem filhos, de casais cuja prole já saiu de casa.
Continuamos a ser uma equipa"
Apesar de separados há três anos, Susana Alves e o ex-companheiro, Alexandre, fazem questão de partilhar o que diz respeito às filhas como antes: vão juntos ao médico com a Maria e a Flor e juntos às reuniões de pais. "São compromissos de pais", explica Susana Alves, 38 anos, responsável pela empresa de oficinas artísticas e pedagógicas "Lugar específico", localizada em Lisboa.
"Tudo o que é importante para elas fazemos juntos", afirma. "Continuamos a ser uma equipa e a funcionar em prol do que é melhor para elas". Antes de se separarem, funcionavam assim.
Com a rutura, havia que arranjar um modelo para a residência alternada, dia para trocar de casa, entre outras condições, e resolveram recorrer à participação da filha mais velha, que tinha nove anos na altura. A mais nova tinha dois.
Por sua sugestão, seguiram o modelo adotado pelos pais de um amigo de escola, que vivia perto. E, desta forma, conseguiram até fazer coincidir as semanas das mães por forma a que os dois pré-adolescentes pudessem partilhar os percursos até à escola. Copiaram também a troca de casa à sexta-feira. Depois de ponderado, perceberam que era melhor adaptarem-se à habitação antes do regresso à escola. "O objetivo era começar a semana sem stresses".
Gerir as saudades é o mais difícil
Ainda hoje, a sexta-feira é o dia das mochilas e dos sacos que vão inchando a cada semana. Fazem questão de deixar que as filhas escolham os pertences a transportar. E, com as atividades a crescer, os bens indispensáveis são cada vez mais. Foram-se acrescentando: computador portátil, violino.
O processo de adaptação teve alguns momentos difíceis. "O pior problema: as saudades". Na semana do pai, a mãe vai uma vez ou outra buscá-las à escola e leva-as a lanchar. "Fazemos sempre um esforço para minimizar as saudades. Gerir as saudades é o mais difícil".
"Não somos rígidos nos dias de um e outro. Por causa do trabalho do pai, ficariam um mês e meio de férias comigo, mas fiz questão que viessem vê-lo um dia ou outro. Era melhor para elas e para ele também", diz. "Não vou ser casmurra e dificultar-lhe a vida".
No início, o que mais custava a Susana era não ter a perceção de tudo o que se passava com as filhas: se dormiam bem, se comiam. Assume-se mãe-galinha.
Quando estão com ele, comem mais peixe, que vem dos avós, diretamente da lota da Nazaré. Com Susana, como lhe disseram as filhas no outro dia, repete-se o frango. "O peixe dele é muito melhor!". Costumavam reclamar por ter canais Nos numa casa e Meo noutra. Entretanto, conseguem fazer a gestão dos desenhos animados a seguir.
"Seria muito pior para elas viveram com pais infelizes juntos". O importante é que tenham duas figuras de referência, conclui.
OUTRAS REALIDADES
Pessoas sós
São também cada vez mais os agregados constituídos por uma pessoa (pessoas que vivem sozinhas). Eram mais de 938 mil em 2018, cresceram 3,5% num ano. Em cinco anos, subiram 10% (eram 850 mil).
Coabitação
Na categoria outras famílias - nas quais podem estar em coabitação amigos, primos, outros graus de parentesco, e múltiplas configurações, que conjuguem várias possibilidades - observa-se um decréscimo: de 382 mil em 2014 para 336 mil em 2017 e 327 mil em 2018. Uma queda de 14% em cinco anos e de 3 % num ano.