A multinacional luso-britânica Farfetch está a questionar a orientação sexual e a etnia dos candidatos a emprego. A resposta é, segundo a Farfetch, apenas para fins estatísticos, opcional e anónima. Contudo, a Comissão para a Cidadania e Igualdade (CIG) avisa que os anúncios de oferta a emprego "não podem conter" estas questões "sob pena de ilegalidade".
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Todos os candidatos ao emprego de "especialista em serviços de parceiros" no pólo do Porto da Farfetch são confrontados com um questionário online que lhes pergunta qual a etnia e orientação sexual. Entre as respostas estão termos como "preto", "cigano" ou "gay". O questionário não é exclusivo desta oferta de emprego e está presente na maioria das candidaturas online da Farfetch.
Ao JN, fonte oficial da empresa reiterou que o questionário "é completamente anónimo e opcional" e tem como objetivo ajudar "a ter uma visão da representatividade demográfica das candidaturas". A mesma fonte assegura que decisão de responder ou não às questões "não tem qualquer influência no processo" de seleção de candidatos e que a informação recolhida "é estritamente estatística".
No entanto, especialistas e comissões ligadas ao tema não têm a mesma posição. Ao JN, a CIG lembra que há vasta legislação que proíbe a discriminação com base na etnia, raça ou orientação sexual. Neste sentido, os anúncios "de oferta de emprego e outras formas de publicidade ligada à pré-seleção ou ao recrutamento não podem conter, direta ou indiretamente, qualquer restrição, especificação ou preferência baseada no sexo, sob pena de ilegalidade e inconstitucionalidade", acrescenta a CIG.
A mesma Comissão avisa que a exclusão de candidatos em função destas questões "constitui discriminação em função do sexo" e, por esta ordem de ideias, as perguntas "sobre etnia, orientação sexual, preferências religiosas e quaisquer outras características suscetíveis de serem veículos de enviesamento na apreciação da candidatura, não devem ser utilizadas".
Lei protege candidatos
O advogado Nuno Cerejeira Namora, especialista em direito laboral e sócio fundador da Sociedade de Advogados "Cerejeira Namora, Marinho Falcão", comenta que a lei reconhece "a situação de especial debilidade em que se encontra um qualquer candidato a emprego" e que, por isso, o legislador procurou "conferir-lhe alguma proteção" por via da "sujeição deste procedimento a princípios de igualdade e não discriminação" a que se junta o "direito à proteção de informações pessoais".
Assim, a lei laboral portuguesa prevê "expressamente" que "o empregador não pode exigir a candidato a emprego que preste informações relativas à sua vida privada", tais como "a sua orientação sexual, origem étnica, estado de saúde, entre outros", explica Nuno Cerejeira Namora.
Por outro lado, prevê a lei "que nenhum candidato poderá ser privilegiado, beneficiado, prejudicado, privado de qualquer direito ou isento de qualquer dever em razão de fatores como idade, sexo, orientação sexual, origem étnica ou raça, convicções políticas ou ideológicas, religião, entre outros", afirma. Assim, o especialista conclui que "não pode o empregador praticar qualquer discriminação direta ou indireta em razão dos referidos fatores".
O JN contactou a Autoridade para as Condições do Trabalho (ACT), mas não obteve resposta.
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É a que mais contrata
A Farfetch é uma empresa líder mundial nas vendas online de moda de luxo. Tem mais de 3000 trabalhadores em Portugal e foi a empresa nacional que mais contratou trabalhadores entre janeiro e março deste ano por via do LinkedIn, segundo dados da plataforma. Apesar da sede ser em Londres, tem pólos em Guimarães, Porto, Lisboa e Braga.
Unicórnio português
A Farfetch foi a primeira empresa unicórnio de Portugal, que é o estatuto entregue às que estão avaliadas em mais de mil milhões de dólares americanos. Nasceu em 2007 e o site surgiu um ano depois.