O estudo ESCAPE-TRD, da farmacêutica Janssen, da Johnson & Johnson, testou a eficácia do spray nasal de escetamina (NS). O tratamento apresentou melhores resultados do que as terapêuticas convencionais em doentes com depressão resistente ao tratamento (DRT).
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A formulação do spray nasal da Janssen demonstrou uma eficácia superior à dos placebos e obteve aprovações da Administração de Alimentos e Medicamentos (FDA) dos Estados Unidos, e da Agência Europeia dos Medicamentos (EMA). Apesar do mercado de antidepressivos “sobrelotado”, a ineficácia das terapêuticas convencionais em pessoas com DRT evidenciou a necessidade de encontrar outras soluções.
Albino Oliveira-Maia, diretor da unidade de Neuropsiquiatria da Fundação Champalimaud e coordenador do estudo em Portugal, refere que “embora existam muitos tratamentos disponíveis para a depressão, há uma escassez de opções de medicamentos adaptados para a DRT. Além disso, (…) os fabricantes de medicamentos precisam de demonstrar uma vantagem inequívoca sobre as modalidades de tratamento existentes, sublinhando assim a relevância deste estudo”.
O ensaio clínico ESCAPE-TRD verificou que a escetamina, um antidepressivo, apresenta taxas de remissão mais elevadas do que a alternativa, a quetiapina de libertação prolongada (LP), também administrada em combinação com um antidepressivo tradicional. Os antidepressivos convencionais interferem nos neurotransmissores responsáveis pela sensação de bem estar: seratonina, dopamina e noradrenalida, ao contrário da escetamina, que estimula as regiões do cérebro ligadas às emoções.
A EMA permite atualmente que o spray nasal de escetamina, combinado com um antidepressivo tradicional, como o SSRI ou o SNRI, seja administrado em adultos com Transtorno Depressivo Major que, num episódio depressivo moderado a grave, não respondam a pelo menos dois tratamentos diferentes. Contudo, o medicamento tem um custo elevado e não é comparticipado. A depressão resistente a tratamento (DRT) é uma forma particularmente desafiante de transtorno depressivo major, conforme aponta Albino Oliveira-Maia.
“A DRT é definida como a persistência de sintomas depressivos apesar da prescrição adequada”, acrescenta. Não obstante as várias tentativas terapêuticas, os sintomas depressivos destes doentes não desaparecem.
Segundo um estudo do Instituto Nacional de Saúde Mental dos Estados Unidos (NIMH), embora um terço dos pacientes com depressão tenha apresentado remissão com o tratamento (convencional) inicial, os subsequentes tiveram retornos decrescentes, sendo que somente 10 a 15% atingiram remissão na terceira tentativa de tratamento. “Esta dura realidade amplifica a necessidade de estratégias de intervenção mais eficazes”, indica a Janssen em comunicado à imprensa.
Porquê escetamina em vez de quetiapina?
A Johnson & Johnson realizou um estudo internacional multicêntrico, com um universo de mais de 800 doentes, no qual comparou a escetamina-SN com a quetiapina-LP oral, um antipsicótico atípico normalmente usado em doentes com esquizofrenia. Verificaram que na 32.ª semana do tratamento perto de metade dos doentes em que foi administrada escetamina alcançaram a remissão. Em contraste, só um terço daqueles que continuaram com a quetiapina atingiram o mesmo estado.
“Curiosamente, a taxa de doentes que pararam o tratamento devido aos efeitos colaterais foi menor para a escetamina do que para a quetiapina, o que sugere que, embora, no papel, a escetamina possa ter mais efeitos adversos, aqueles causados pela quetiapina foram menos toleráveis”, acrescentou Albino Oliveira-Maia.
“O verdadeiro desafio agora passa da investigação para a política. O impacto da escetamina-SN só pode ser concretizado se os doentes tiverem acesso imediato à mesma”, lembra Albino Oliveira-Maia, explicando que a decisão depende dos decisores políticos.
À data, Portugal tem acesso limitado a tratamentos para a DRT, incluindo a escetamina. “São necessárias pesquisas contínuas e um persistente trabalho de defesa das mesmas para assegurar que os tratamentos chegam aos doentes que deles precisam”.
“O progresso científico deve ser acompanhado de medidas políticas proativas e de ações governamentais concretas. Em última análise, o nosso objetivo é construir um cenário de cuidados de saúde onde os doentes não sejam relegados a tratamentos de qualidade inferior, e não baseados em evidências, devido à falta de acesso a opções mais eficazes”, remata.