O número insuficiente de computadores e a má qualidade da internet nas escolas e em casa de alunos e professores foram os principais motivos para que a pandemia tivesse um forte impacto na educação em Portugal. Mas o fecho também fez com que os pais acabassem por dar mais valor ao papel da escola.
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Estas são duas das conclusões do relatório sobre o Estado da Educação 2020, coordenado por Maria Emília Brederode Santos, presidente do Conselho Nacional de Educação (CNE) divulgado esta quinta-feira e, embora sem grandes novidades face ao que já foi sendo noticiado, confirma as implicações que os confinamentos tiveram na aprendizagem e no desenvolvimento das crianças e jovens.
A maioria das escolas (92%) não dispunha de equipamentos em número suficiente nem de ligação de internet com qualidade. E, em 80% das escolas, a falta desses dispositivos por parte dos alunos e das famílias afetou as aprendizagens. "O relatório é especialmente dedicado, quase que fatalmente, à pandemia, suas vivências e seus efeitos", refere, na introdução das 400 páginas do documento, a presidente do CNE, justificando que a opção "era quase inevitável pelas proporções que a pandemia teve nas nossas vidas e na educação".
Ansiedade e conflitos
Em março de 2020, as escolas fecharam portas pela primeira vez, apanhando de surpresa toda a comunidade escolar. Mais de um milhão e meio de crianças e jovens passaram a ter ensino à distância, algo totalmente novo para a maioria dos alunos e docentes.
Em simultâneo, começou a verificar-se um "aumento significativo de níveis de ansiedade e de alterações de humor das crianças e dos jovens portugueses e um maior número de conflitos e divergências em casa, sinais de depressão e irritabilidade e sentimento de solidão". Sinais que, segundo o mesmo relatório, "foram fatores que mostraram ter impacto no agravamento das desigualdades de aprendizagem"
Além disso, observa-se uma correlação entre as condições de habitação e a existência ou não de um espaço exterior e os efeitos psicológicos negativos nas famílias.
Com as escolas vazias, o estudo "Educação em Tempo de Pandemia: Problemas, respostas e desafios das escolas", encomendado pelo CNE, constata que há uma maior "valorização do papel da escola e dos professores durante o confinamento" e que os pais e encarregados de educação passaram a valorizar "mais e muito mais" o papel da escola".
Também durante a pandemia, e contrariando a redução de alunos durante a última década em Portugal (o CNE refere que as escolas perderam mais de 322 mil alunos), o número de crianças inscritas no pré-escolar aumentou 7 389, ultrapassando as 251 mil crianças matriculadas. O setor privado recebe 53% das crianças no pré-escolar.
"Houve pandemia mas não houve pandemónio", conclui Maria Emília Brederode.
Detalhes
Elogios às ajudas
A CNE reconhece que sem a colaboração de autarquias, associações e empresas que "cederam dispositivos digitais a escolas e alunos", das "editoras que disponibilizaram gratuitamente o acesso a recursos digitais", das forças de segurança e bombeiros que "transportaram materiais a casa de alunos sem outros meios de contacto", a escola em casa não teria tido sucesso.
Redes de apoio
A forma célere como os docentes construíram redes para troca de informações e apoio mútuo e a ajuda dos professores de Informática e daqueles que estavam "mais à vontade no uso digital", foram cruciais para a escola e para os colegas.
Reforço de técnicos
O relatório confirma a existência de alunos "que não foi possível contactar" e a necessidade de poder contar com profissionais não docentes para facilitar o contacto com a heterogeneidade cultural dos alunos, de psicólogos para atender às dificuldades socioemocionais surgidas e de técnicos de Informática para apoio às necessidades do ensino a distância.
Falta literacia digital
"Também se constatou a insuficiência de dispositivos digitais, de conectividade (sobretudo em certos territórios) e da literacia digital de professores, alunos e pais que se foi tentando colmatar com as ajudas mais diversas, as redes colaborativas de professores e autodidatismo", lê-se no documento.