Apesar da aparente abundância alimentar, um projeto liderado por Portugal pretende promover a diversidade no consumo e no cultivo.
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Ao contrário do que as prateleiras dos supermercados podem fazer crer, “estamos perante uma situação de grande monotonia alimentar a agrícola, e vivemos numa falsa sensação de oferta diversificada”, sustenta Marta Vasconcelos, coordenadora do projeto europeu Radiant, que culmina com a Feira dos Alimentos Raros, prevista para o próximo dia 22, na Alfândega do Porto.
“Apesar de nos nossos supermercados termos à disposição um razoável número de diferentes tipos de alimentos, em particular de origem vegetal, o que acontece é que, em termos globais, estamos todos a produzir e a consumir as mesmas variedades dos mesmos tipos de alimentos”, assinala a investigadora do Centro de Biotecnologia e Química Fina da Escola Superior de Biotecnologia da Universidade Católica do Porto.
"Fragilidade no sistema"
Dá o exemplo da banana variedade Cavendish, que “domina cerca de 50% dos mercados globais”. Considera que esse facto cria uma “grande fragilidade no sistema”, porque, “alterando o clima ou surgindo uma nova praga ou doença com apetência para esta variedade, ficamos numa situação de risco de perdas de produção significativas a nível global”.
Ou seja, a solução poderá estar na retoma do cultivo e consumo de plantas que foram apagadas pelo sistema agrícola, que “evoluiu numa visão de padronização e homogeneização”, tendo deixado para trás “as variedades mais antigas e tradicionais de diferentes tipos de alimentos”.
E exemplifica: “Quer estejamos no Porto, em Londres, em Sevilha, ou em Nova Iorque, estamos a comer ‘as mesmas coisas’, e acima de tudo, as mesmas variedades dos mesmos alimentos (a maçã variedade Golden Delicious, ou PinkLady, encontram-se em Portugal e ao mesmo tempo, nos Estados Unidos...)”.
No caso das leguminosas, como o feijão, passa-se algo idêntico. A seu ver, estão “pouco representadas nos sistemas agrícolas em Portugal, e trazem dimensões únicas de sustentabilidade, como a melhoria da qualidade dos solos e a diminuição, a longo prazo, da necessidade de utilização de fertilizantes químicos, pela sua capacidade natural de fixar azoto atmosférico de forma biológica”.
Foi nessa linha de pensamento que surgiu o projeto europeu Radiant, com a preocupação de “promover o uso e valorização de culturas agrícolas raras ou negligenciadas, integrando-as em cadeiras de valor sustentáveis”. A Feira na Alfândega, ainda aberta a participantes, será a oportunidade para reunir produtores agrícolas, consumidores, investigadores, chefes de cozinha e empresários do ramo alimentar.
Portugal surge bem posicionado. Marca Vasconcelos reconhece que existe no país “um património riquíssimo de variedades de todos os tipos de plantas a serem exploradas e valorizadas”, dando o exemplo de algumas já emblemáticas, como a maçã de Alcobaça ou a pera Rocha, embora admita muitos outros alimentos, “escondidos nos mercados locais, nas feiras tradicionais, e que merecem ser valorizados”.
“Raridade” do feijão
Destacou o feijão, uma vez que, “apesar de ser o 8.º ou 9.º alimento mais produzido a nível mundial, pode ser considerado ‘raro’ no contexto português, pois produzimos quantidades claramente insuficientes para o aprovisionamento nacional, e o seu consumo é também abaixo do recomendado”.
Por contraponto, assinala que o país produz “bastantes quantidades de tomate, mas maioritariamente o coração de boi, o chucha, o rama, o cereja ou o redondo”. No entanto, em Portugal existem “cerca de 230 outras variedades, com características organoléticas e de crescimento diferentes” e essas, sim, “seriam as “raras”.
“Teoria da mudança”
Desenhado em torno da “teoria da mudança”, o projeto “visou reforçar a base de dados europeia para as múltiplas dimensões dos valores nutricionais, agronómicos, económicos, tecno-funcionais e ambientais das variedades raras”. Mas não vai ficar por aqui. Marta Vasconcelos antecipa que já estão à procura de financiamento para um Radiant 2, para aprofundar o trabalho feito até aqui.
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Evento para todos
A Feira dos Alimentos Raros, no próximo dia 22, na Alfândega do Porto, é gratuita e abre das 15 às 19 horas.
Participantes
Em quatro anos, os 123 participantes europeus no projeto, contaram com o contributo de 45 agricultores. No total, estiveram envolvidas 29 entidades de 12 países, ao longo dos quatro anos que durou o Radiant. Representou um investimento de 6 milhões de euros.
No terreno
Foram feitos mais de 30 ensaios de campo para testar espécies raras e validados 14 novos produtos para alimentação humana e animal, tendo sido medido o impacto ambiental dessas variedades subutilizadas.