Corpo do artigo
Sem perceber que estava no 25 de Abril, o escritor Álvaro Magalhães entrou na libertadora madrugada com o espírito revolucionário que levara de um jantar de homenagem a Óscar Lopes. Cumpria o serviço militar, estava em comissão na Guiné-Bissau e meteu férias "na melhor altura". Daí que acordasse em casa, no Porto, com a notícia de que o regime estava em queda.
"Nessa altura, já estava ligado ao MDP", recorda, insistindo na ideia de que o dito jantar, em que falaram o homenageado e o jornalista César Príncipe ("fazia discursos metafóricos e inflamados, que punham as salas em êxtase") foi "feito na ignorância de tudo o que estava a acontecer".
Nada fazendo prever, portanto, os tempos vertiginosos que se seguiriam. "Andei no assalto à PIDE, invadi duas juntas de freguesia, fiz sessões de esclarecimento...". Um corrupio, para o miliciano que queria não voltar à guerra, embora nunca tenha tido experiência de mato ("fazia trabalho burocrático no quartel-general, em Bissau"): "Ao ler, nas paredes, "Nem mais um soldado para as colónias, pensei: esse nem mais um sou eu".
Não foi. Teve de regressar a Bissau: "Fui daqui para lá carregado de livros sobre o 25 de Abril - uma semana depois já havia muita coisa impressa -, mas fui apenas assistir à derrocada do império e viver os três meses mais penosos da minha comissão".
Apesar da revolução em Portugal, os soldados não passaram a ser bem-vistos. E havia duas razões para a penosidade desses três meses: "Primeiro, estava longe de tudo o que aqui acontecia. Depois, deixou de haver lá autoridade, e vivíamos numa grande insegurança".
Fugir de lá era o que todos queriam. Álvaro Magalhães nada trouxe, além de "uma t-shirt e umas calças de ganga". Tudo lhe havia sido roubado, tudo havia sido roubado a toda a gente: "Viemos com o rabo entre as pernas".