Ferro Rodrigues: "No dia em que a geringonça acabou, disse para não contarem mais comigo"
O ex-presidente da Assembleia da República, Eduardo Ferro Rodrigues, revelou que sentiu o fim da geringonça como "uma grande derrota". Esse acontecimento fê-lo comunicar ao primeiro-ministro e ao presidente da República que não pretendia continuar no Parlamento.
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No lançamento do seu livro de memórias, em Lisboa, Ferro Rodrigues elogiou o chefe de Estado, uma das personalidades que apresentaram a obra. "Das pessoas que estão na mesa, é o meu amigo mais recente", gracejou, elogiando Marcelo Rebelo de Sousa.
"É uma amizade que se construiu em plena situação nova no plano político, social, económico e cultural, a partir de 2015 e que, lamentavelmente, [a situação] foi quebrada", afirmou Ferro Rodrigues, no Centro Cultural de Belém. Referia-se ao fim da geringonça, em 2021, que abriria caminho à atual maioria absoluta do PS, o seu partido.
A este respeito, Ferro acabou por fazer uma revelação: "No dia em que soube que a geringonça ia acabar, disse ao presidente da República e ao primeiro-ministro que não contassem comigo para continuar sequer no Parlamento. Achava, além do mais, que aquilo tinha sido uma grande realização [e] era [agora] uma grande derrota que eu sentia como minha".
O socialista voltou a elogiar Marcelo, frisando que este foi "incansável" a ampará-lo na doença, em 2018. "Foi sempre uma pessoa muito amiga. É uma pessoa que eu estimo muito, independentemente das divergências que possamos ter aqui e acolá", completou.
Ferro Rodrigues frisou que o seu livro, denominado "Assim vejo a minha vida", não é uma autobiografia, mas sim um exercício de memória. Na sala, lotada, estiveram o presidente da República e o primeiro-ministro, bem como alguns governantes - como Fernando Medina, Mariana Vieira da Silva ou Pedro Adão e Silva - e vários deputados do PS.
Marcelo recorda: amizade começou com um estranho encontro no Parque Eduardo VII
Marcelo retribuiu os elogios, sublinhando que nunca é tarde para se começar uma amizade. Descrevendo Ferro como “um homem bom”, “doce” e “muito íntegro”, lembrou o dia exato em que a amizade entre ambos começou: 19 de março de 2018, relatando um episódio então ocorrido.
Nessa data, ambos encontraram-se no Parque Eduardo VII, a pedido de Ferro. O local, inusitado, foi escolhido porque Marcelo ia a uma cerimónia da Federação Portuguesa de Futebol (FPF) que se realizava lá perto, no pavilhão Carlos Lopes. O socialista surgiu de cabeça coberta, para não ser reconhecido, e contou ao presidente que tinha uma doença grave.
Após a cerimónia, Ferro, Marcelo e Costa - que também tinha ido ao evento da FPF - acabaram a noite a comer paella, um dos pratos preferidos do então presidente da Assembleia da República. Segundo Marcelo, foi Ferro quem insistiu para que a refeição fosse essa, uma vez que se tratava de um dos seus pratos preferidos e sentia que aquela poderia ser a última vez que o comia. Saíram do restaurante por volta das 3 horas da manhã.
A fechar, Marcelo descreveu Ferro como alguém que, “na dúvida, é pessimista”. Num momento bem-humorado, e sem referir Costa, acrescentou: “Não sei porquê, faz-me lembrar o oposto de outro nosso amigo”. O presidente, recorde-se, já por várias vezes considerou que o primeiro-ministro é demasiado otimista.
Logo a abrir o discurso, o presidente notou que a sala estava repleta de socialistas. Com ironia, referiu, arrancando gargalhadas: "Isso é a minha sina há cerca de oito anos".