Especialistas defendem que o financiamento dos bombeiros deve ocorrer em função do risco que conseguem evitar e não da área queimada. Liga dos Bombeiros considera falsa a argumentação utilizada e pede que António Costa esclareça a questão em público.
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As declarações do presidente da Agência para a Gestão Integrada de Fogos Rurais (AGIF), Tiago Oliveira, durante uma audição parlamentar, na semana passada, onde afirmou que o financiamento dos bombeiros ocorre em função da área queimada, o que considerou ser errado, ainda está a fazer correr muita tinta.
Em causa, um artigo de opinião de três especialistas em engenharia florestal, publicado no jornal Público, onde fazem uma leitura da legislação que contém a fórmula de financiamento do Estado às Associações Humanitárias de Bombeiros (AHB), defendendo a sua alteração.
Segundo os especialistas, a fórmula para o financiamento das AHB comporta 14 tipos de risco diferentes, incluindo os incêndios florestais. Quanto maior a frequência de ocorrência de problemas com estes riscos, maior é o montante do financiamento. Na prática, quanto maior for a área queimada, maior é a perigosidade e, por consequência, maior é a suscetibilidade ao fogo e o financiamento.
José Miguel Cardoso Pereira, professor e investigador de engenharia florestal no Instituto Superior de Agronomia da Universidade de Lisboa, e um dos subscritores do texto, esclarece ao JN que o objetivo do artigo não se prende com “nenhuma ilação conspiratória” e apenas faz a dedução das implicações da fórmula para perceber se o que disse o presidente da AGIF corresponde à realidade.
Premiar redução da área queimada
Ao JN, o especialista defende ainda que era preferível que os bombeiros fossem “financiados em função do risco que conseguiram evitar”.
“A maneira mais adequada para lidar com o problema seria estabelecer um valor de referência de suscetibilidade, de risco ou de área queimada. E premiar as situações que ao longo do tempo se conseguiu reduzir essa área queimada, essa suscetibilidade e esse risco”, afirma, deixando claro que os bombeiros têm de ser compensados e ressarcidos por esse trabalho.
A redução dessa área queimada deve acontecer em articulação com a população, com os proprietários das grandes empresas florestais e com o Estado. Para José Miguel Cardoso Pereira, a solução passa por “intensificar o que a Agência para a Gestão Integrada dos Fogos Rurais (AGIF) anda a tentar fazer, que é articular melhor e coordenar a atividade destas várias instituições nesse sentido”, realça.
“Queremos que as pessoas sejam informadas como é que os bombeiros são financiados”
Esta posição foi recebida com estranheza na Liga de Bombeiros Portugueses (LBP) que considera falsos os argumentos utlizados. Segundo António Nunes, presidente da LBP, só “servem para uma defesa corporativa” e não têm em atenção “que os corpos de bombeiros mobilizam os seus efetivos muito antes de saber a área ardida”.
Ao JN, o dirigente afirma que o orçamento atribuído às corporações está definido e não pode oscilar consoante a área ardida. “Não há nenhum fator de ponderação da distribuição dos 32 milhões de euros pelos corpos de bombeiros com a condicionante da área ardida de um ano para o ano seguinte. Nenhum corpo de bombeiros pode ter um aumento superior a 10%, nem pode ter uma variação inferior a 2%”, explica.
"Só são chamados quando tudo falha”
António Nunes acrescenta que os bombeiros “têm que se financiar pelo risco” porque são o último recurso e "só são chamados quando tudo falha”. “Há corpos de bombeiros que não têm uma ocorrência por dia e há outros que têm 20, mas temos que ter sempre lá as pessoas”, observa.
O líder dos bombeiros considera que, depois destas declarações públicas, o conselho diretivo da AGIF não tem condições para continuar em função e exige a intervenção de António Costa.
“O sr. primeiro-ministro e o sr. ministro da Administração Interna, têm que explicar aos portugueses que os bombeiros são financiados desta forma”. Queremos que as pessoas sejam informadas como é que os bombeiros são financiados”, afirma.