"O momento é mesmo de emergência". Por mais dramático que possa parecer o alerta do presidente do Sindicato dos Jornalistas (SJ), a discussão sobre o financiamento dos media tornou-se inadiável e o Estado é chamado a intervir. O Governo compromete-se com um plano de ação para os media "em breve".
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Os acontecimentos no Global Media Group e o recente pedido de acesso, por parte da dona da revista “Visão”, ao Processo Especial de Revitalização para evitar a falência, evidenciaram uma crise sem precedentes. Com um modelo de negócio esgotado, onde as receitas publicitárias são sugadas pelas gigantes plataformas tecnológicas, e com a desinformação a conquistar o lugar da informação credível e verificada, estão reunidos todos os ingredientes para uma “tempestade perfeita”.
“Se o Estado não fizer nada rapidamente, vamos deixar de ter informação jornalística produzida de forma diversificada e regular”, assegura Elsa Costa e Silva. A investigadora da Universidade do Minho (UM) acredita que enquanto o mercado não estabiliza em torno de um modelo de negócio sustentável, o financiamento público é indispensável. “Parece um tabu em Portugal, mas é tradição na maior parte dos países europeus. É evidente que qualquer modelo tem que ter critérios muito claros e transparentes, mas é possível equacionar-se”.
Recordando as palavras do presidente da República, que em janeiro defendeu um “pacto de regime” para salvar o jornalismo, Luís Filipe Simões avisa que o crescimento da desinformação adensou a urgência de ajuda pública e considera que o fantasma da interferência do Estado “não é um problema inultrapassável”. O presidente do SJ crê que é possível criar equilíbrios para evitar a ingerência através de ações como a atribuição de um voucher para assinaturas de jornais, que dão o poder ao cidadão. “Há tantas propostas que só mesmo por total falta de interesse e de arrojo político é que não se financia algo tão fundamental para a democracia”.
Sem custos para o Estado
O representante dos jornalistas afiança que o investimento nos media “sai muito barato” e lamenta que, ao contrário de outras geografias, a realidade nacional seja “desastrosa”. “Há países nórdicos que apoiam a imprensa desde os anos 70, enquanto Portugal ainda não percebeu que tem que apoiar”.
À semelhança do sindicato, que tem reunido com os partidos políticos em busca de soluções, também a Associação Portuguesa de Imprensa levou, há duas semanas, um conjunto de propostas de financiamento ao ministro dos Assuntos Parlamentares, que tutela a Comunicação Social. “Não nos vamos safar com medidas ‘poucochinhas’. É preciso uma intervenção sistemática e consistente”, alerta Cláudia Maia.
A presidente da associação que representa cerca de 180 empresas e 260 publicações em todo o país afirma que podem ser implementadas medidas sem custos para o Estado, como a compra antecipada de publicidade institucional, que já aconteceu durante a pandemia, ou a revisão do código dos contratos públicos. Além disso, sugere ações mais inovadoras como a aplicação de uma taxa de apoio aos jornais através dos tarifários móveis, semelhante à taxa audiovisual cobrada na fatura de eletricidade, ou mais convencionais como a criação de uma campanha robusta de literacia mediática e combate à pirataria.
Governo promete resposta
Numa resposta escrita enviada ao JN, o ministro dos Assuntos Parlamentares garante que o Governo vai apresentar, em breve, um plano de ação para os media. “Conscientes dos desafios, estamos convencidos de que este pode ser um tempo de oportunidades para modernizar e revitalizar a comunicação social”, certifica Pedro Duarte, reiterando a importância de uma “comunicação social livre” para uma “sociedade plural, moderna e justa”.
"O Governo está a acompanhar os enormes desafios que o sector da comunicação social enfrenta, e que afetam a sustentabilidade das empresas, colocando em risco a estabilidade dos trabalhadores, mas também o pluralismo, a liberdade de informar e o exercício pleno do jornalismo", afirma o responsável pela tutela da Comunicação Social. O Governo da Aliança Democrática tem previsto, no seu programa, um plano de ação para os media, "envolvendo o setor mais tradicional e as novas ferramentas digitais, a academia e a sociedade civil" que promete responder aos desafios atuais.
Enquanto a resposta não chega e as empresas vivem uma fase de transição em busca do modelo de negócio mais rentável, Elsa Costa e Silva defende que o jornalismo não pode deixar de se afirmar como veículo de informação credível e verificada. "Se há um momento de afirmação do jornalismo como produção de informação credível, verificada e de qualidade, é agora", garante.
Imprensa escrita é a mais penalizada
Tal como a presidente da Associação Portuguesa de Imprensa, a investigadora do Centro de Estudos de Comunicação e Sociedade (CECS) do Minho acredita que o modelo de futuro não será igual para todos e que só irão sobreviver os órgão de comunicação que produzirem conteúdos diferenciados e de qualidade.
O cenário atual é preocupante e a imprensa escrita paga a maior fatura. Isto porque, como explica Elsa Costa e Silva, os jornais são o "produto por excelência do jornalismo", o único meio que é estritamente noticioso, ao contrário das rádios e das televisões, que conseguem atrair a atenção dos consumidores através de outros formatos, como o entretenimento.
No entanto, a professora da UM afirma que estes meios enfrentarão desafios no futuro, uma vez que a audiência começa a migrar para outro tipo de conteúdos, nomeadamente o streaming e o podcast. "A nossa audiência é muito envelhecida e os jovens, que são aqueles que no futuro irão sustentar o meio, veem cada vez menos televisão linear. Isto poderá vir a ter um impacto a curto/médio prazo nas receitas das principas empresas que operam em Portugal", alerta.
Com o jornalismo cada vez mais ameaçado pela desinformação e com uma população desligada da importância da informação credível, a presidente da Associação Portuguesa de Imprensa avisa que as publicações regionais e locais, sobretudo do Interior do país, acabam por ser as mais prejudicadas. O perigo do aumento dos desertos noticiosos é mais um dos contrangimentos vividos no setor. "Neste momento, temos 25% dos municípios portugueses sem qualquer órgão de comunicação. As bancas também estão a desaparecer. Neste momento, temos quatro concelhos sem qualquer posto de venda de jornais", denuncia.
Cláudia Maia defende a urgência da criação de um programa de literacia mediática para que a população perceba não só a importância do jornalismo como bem público, mas também que "custa dinheiro". De acordo com as conclusões do Reuters Digital News Report de 2023, só 11% da população portuguesa paga por notícias online.
O que sugerem os partidos para apoiar os media
Com exceção do PAN, todos os partidos com assento parlamentar apresentam, no seu programa eleitoral, medidas de apoio aos órgãos de comunicação social. Uma das propostas mais unânimes é o aumento da literacia mediática através da atribuição de assinaturas aos jovens.
Partido Socialista
Pedro Nuno Santos defende apoios para a distribuição de publicações no interior, a criação de um cheque-jornal os jovens, a concretização do programa de literacia mediática nas escolas e o reforço contra a desinformação.
PAN
Inês Sousa Real quer ouvir a comunidade académica e a sociedade civil para garantir que nenhuma proposta ponha em causa “a liberdade de imprensa e o jornalismo livre”.
Bloco de Esquerda
Mariana Mortágua defende a criação de um imposto sobre as gigantes tecnológicas, a eliminação do IVA nas assinaturas comerciais, a reposição do porte pago e a atribuição de uma assinatura digital para todos os estudantes do secundário e do ensino superior.
Livre
Rui Tavares quer cheques-cultura para os jovens, bolsas de apoio, a manutenção do programa de compra de publicidadde institucional pelo Estado, a dedução em sede de IRC de gastos publicitários, um programa de apoio à contratação e transição digital e a subscrição física de jornais nas bibliotecas.
Partido Comunista Português
Paulo Raimundo defende um programa de apoio a fundo perdido, a aquisição de publicações periódicas regionais e locais por entidades públicas e a retoma do porte pago da imprensa regional.
Iniciativa Liberal
Rui Rocha quer aumentar a dedução do IRS das despesas com a compra ou subcrição de jornais e promover o financiamento através de incentivos fiscais, instituindo um modelo de mecenato e criando uma rede de filantropos.
Chega
André Ventura defende a criação de um fundo de apoio à comunicação social e aumentar a comparticipação do Estado no porte pago.