A Autoridade Tributária e Aduaneira (AT) esteve, desde fevereiro, a desenhar os métodos de avaliação das barragens de Portugal com o objetivo de lhes cobrar IMI. O Fisco só tem agora três meses, até ao fim do ano, para começar a avaliação e cobrar o imposto referente a 2019, caso contrário a receita perde-se.
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A avaliação das barragens de Portugal tendo em vista a cobrança de IMI ainda não começou e tem que ficar concluída até ao fim do ano. Esta quarta-feira de manhã, numa audição na Comissão de Orçamento e Finanças, o PSD e o PCP exigiram explicações do secretário de Estado dos Assuntos Fiscais, Nuno Félix, sobre o processo de avaliação das barragens.
O governante respondeu que, em fevereiro deste ano, deu ordem à AT para iniciar o processo de avaliação. O processo “tem alguma complexidade, desde logo porque há várias décadas que não se realizavam avaliações de imóveis desta natureza”. Assim, acrescentou, foi necessário “recolher informação junto das autoridades sobre todos os imóveis desta natureza que pudessem estar abrangidos” e, depois, “desenhar os métodos avaliativos a aplicar”.
Neste processo gastaram-se seis meses, o que levou o secretário de Estado a emitir nova ordem à AT, em agosto deste ano. Sucessivamente questionado pelos deputados sobre o assunto, Nuno Félix acabou por confirmar que a avaliação das barragens ainda não começou: “Neste momento estamos na fase em que os contribuintes são chamados a voluntariamente virem declarar os seus imóveis, neste caso virem declarar as suas barragens. Se não o fizerem, o passo seguinte é a administração fiscal fazê-lo oficiosamente e, em qualquer dos casos, depois seguir para a avaliação dos mesmos”.
O secretário de Estado não deu garantias de que o IMI das barragens será cobrado, mas para Artur Soveral Andrade, deputado do PSD, já é claro que “vai caducar o exercício ao direito de liquidação”. O social-democrata fez as contas e se em fevereiro “dava para cobrar à justa”, mas em agosto "não dá": “É mais fácil os peixes nadarem em rios secos do que isto alguma vez ser arrecadado”.
Duarte Alves, do PCP, quer conhecer o teor das ordens dadas à AT em fevereiro e agosto, ao mesmo tempo que promete continuar atento ao assunto: “Será que existe aqui por parte da AT uma retaliação face às autarquias que colocaram a AT em tribunal? O que é que se fez entre fevereiro e agosto? Vamos pressionar para que este processo não fique a marinar mais algum tempo de modo a que a Engie fique sem pagar”.
Entre as 56 barragens pendentes de avaliação, estão seis no rio Douro que a EDP trespassou a um consórcio liderado pela francesa Engie, por 2,2 mil milhões de euros, em dezembro de 2019. Além de não ter pagado imposto de selo no valor de 110 milhões de euros, a venda está a ser investigada pelo Ministério Público por suspeitas de corrupção, tráfico de influências e fraude fiscal qualificada.
Prazo vai caducar
As barragens também não estão a pagar IMI, uma vez que a avaliação está pendente. Segundo o Código do IMI, a liquidação deste imposto caduca quando decorrem quatro anos desde o final do ano a que o imposto se refere. Ou seja, o Fisco tem até 31 de dezembro deste ano para avaliar as 56 barragens e emitir a nota de liquidação do respetivo valor a pagar de IMI de 2019.
Caso contrário, quem perde são as câmaras municipais onde estão instaladas as barragens. A Autarquia de Miranda do Douro já interpôs um processo judicial contra a Movhera (consórcio liderado pela Engie), EDP, Agência Portuguesa do Ambiente e AT pelo que diz serem os prejuízos causados por estes negócios à população daquele concelho.
Carlos Brás, do PS, também se mostrou “preocupado” com o problema da cobrança de IMI nas barragens, mas elogiou o secretário de Estado dos Assuntos Fiscais “pela coragem e pela determinação que tem manifestado relativamente a esta questão”, disse, sem concretizar.
Nuno Félix ignora falhas
Na audição desta quarta-feira, Nuno Félix também foi questionado sobre as medidas de combate à fraude e à evasão fiscal que, tal como o JN noticiou, não foram implementadas no tempo previsto. O governante ignorou as questões do PSD, PCP e Chega, tendo terminado a audição sem tocar no tema.
Das 60 medidas antifraude desenhadas em 2017 para cumprir até 2020, 37 estão por implementar, nas quais se destaca a criação de um sistema de alerta para levantamentos em dinheiro superiores a 50 mil euros, que foi anunciado em 2017 e ainda não existe.
“O Governo falhou de forma manifesta o plano estratégico. É ambição a mais ou incompetência a mais?”, questionou Jorge Paulo Oliveira, do PSD. “Das medidas que foram apresentadas apenas 21 medidas é que foram implementadas”, contabilizou Rui Afonso, do Chega. “Porque é que ainda não avançou o ajustamento do quadro sancionatório à dimensão das empresas”, completou Duarte Alves, do PCP.
Todas as perguntas ficaram sem resposta do secretário de Estado. Ao JN, o Ministério das Finanças também não respondeu porque é que falhou o novo prazo para implementação da maioria das medidas de combate à fraude e à evasão fiscal e aduaneira.