"Fragmentação enorme dos prédios rústicos dificulta gestão das florestas", defende Filipe Duarte Santos
Filipe Duarte Santos, presidente do Conselho Nacional do Ambiente e do Desenvolvimento Sustentável, considera que a fragmentação dos prédios rústicos em Portugal é o problema de fundo que justifica o elevado número de incêndios em Portugal. Em 2024, ardeu numa semana um terço do total da área afetada em toda a Europa.
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Qual é a principal conclusão a tirar do Relatório do Estado do Clima?
É mais um relatório que é muito importante e que mostra que o problema não está resolvido. Continuamos a ter emissões de gases com efeito de estufa em grande quantidade e é isso que determina a mudança climática. A temperatura em 2024 teve o valor mais alto de sempre na Europa. E depois há ainda uma notícia, um destaque, para o facto de 32% da área ardida na União Europeia ter sido em Portugal.
O que representa este destaque para Portugal?
Pode-se ficar com a ideia de que foi uma coisa excecional, mas o facto é que Portugal é o país da União Europeia onde há uma maior percentagem de área ardida. Desde 2006 até 2024, o país que teve uma maior percentagem de área ardida relativamente à área total, em média, foi Portugal. Todos os anos, em média, arde 1% da área de Portugal continental. E o segundo país, nesta escala, é a Grécia, com 0,3%. Espanha, por exemplo, está abaixo da Grécia. Portugal está de longe acima.
Tem-se feito um grande esforço no sentido de fazer a prevenção e melhorar o combate aos incêndios florestais, mas o facto é que as áreas ardidas são muito elevadas. Claro que, devido às alterações climáticas, é mais frequente termos condições meteorológicas que favoreçam a propagação dos incêndios florestais. Além disso, a acumulação de biomassa aumenta o risco de incêndio florestal.
O que justifica esta característica?
A nossa propriedade rústica está muito fragmentada. Temos 11,5 milhões de prédios rústicos em Portugal. É muito mais do que a população do país. E resulta de quê? Portugal é, desde há séculos, um país de emigração. As pessoas deixam o país e, quando morrem, as parcelas de terreno dividem-se entre os membros da família. É um processo que ocorreu durante décadas. São parcelas muito pequenas, as pessoas já nem sequer se lembram ou sabem que são proprietárias.
A consequência é que a gestão dos prédios rústicos que têm floresta em Portugal é muito deficiente. Há evidentemente casos de gestão eficiente e que têm atenção à prevenção dos incêndios florestais, mas há muitos casos de gestão deficiente e mesmo de abandono. Ainda há outro aspeto: não temos um cadastro atualizado para todo o país porque muitas heranças são indevidas, a lei exige que se contactem todas as pessoas envolvidas, e todo esse processo não está, de modo nenhum, terminado. Gerir uma coisa de que não se sabe quem são os proprietários é quase impossível.
Como se combate esta realidade?
É necessário encontrar soluções de fazer uma gestão conjunta destas regiões florestais. As autarquias têm um papel aqui, mas o Estado é quem controla os direitos de propriedade. Todos os governos que Portugal tem tido estão conscientes deste problema. Há referências bibliográficas desde o século XVIII que referem as implicações que as propriedades rústicas muito fragmentadas têm para o risco de incêndio florestal. O proprietário de um determinado prédio rústico é responsável (ou deveria ser responsável) por retirar a biomassa. Mas que benefício tira disso? O proprietário não tem propriamente as verbas disponíveis.
Os incentivos aos proprietários podem ajudar?
É um problema mais fundo porque esta fragmentação enorme dificulta a gestão das florestas. Podem-se criar incentivos, mas não há cadastro. Muitas vezes nem se sabe quem são os donos, a quem se dá o incentivo? Todos os governos têm tido a intenção de resolver o problema, têm sido feitos avanços, mas o problema não está resolvido.