O Governo suaviza as regras e torna menos exigentes e mais abrangentes os critérios de desagregação de freguesias, mas fecha a porta à reversão generalizada da fusão decidida em 2013.
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A nova versão do anteprojeto governamental permite que as autarquias com, pelo menos, 900 eleitores e uma área superior a 2% do município em que se inserem possam autonomizar-se. Se integrarem um território de baixa densidade, bastará ter 300 eleitores para propor a desagregação.
É uma das novidades do novo texto do regime jurídico de criação de freguesias, bem mais contido do que a proposta anterior no que toca à futura reorganização territorial do país. Depois das críticas das associações de municípios e de freguesias (ANMP e ANAFRE), o Governo deixa cair as normas que previam a agregação forçada das pequenas juntas em 10 anos.
A proposta inicial do Executivo, apresentada na anterior legislatura, definia o princípio de convergência. Numa década, todas as freguesias teriam de cumprir os requisitos mínimos para continuarem autónomas, caso contrário seriam obrigadas a fundir-se. Isso levaria à extinção de centenas de autarquias. O anteprojeto foi revisitado e a exigência de convergência, que ditaria o redesenho do território dentro de 10 anos, caiu para contentamento dos autarcas.
Só um trabalhador
Os requisitos para o ressurgimento de parte das freguesias extintas em 2013 (algumas continuarão a não reunir as condições mínimas para se autonomizarem) foram atenuados em dois dos cinco critérios principais (ler ficha): população e território e prestação de serviços à população.
No anteprojeto atual, o número mínimo de eleitores para a desagregação passa de 1150 para 900, mantendo-se a obrigação do território da nova freguesia corresponder entre 2% e 20% da área do município. As freguesias mais afastadas da sede camarária poderiam sonhar com o fim da fusão, caso contassem com 600 eleitores. Essa regra desaparece do novo texto para dar lugar a uma norma específica para autarquias inseridas em zonas de baixa densidade. Nesses casos, bastará ter 300 eleitores e uma área superior a 2% do município em que se encontram. Cumulativamente, terão de preencher outros requisitos.
Todas as freguesias que sonham com a autonomização terão de empregar um funcionário "com vínculo de emprego público" (na primeira versão do anteprojeto, exigiam-se dois funcionários) e ter um edifício-sede "adequado". Terão de dispor, ainda, de cinco das sete valências previstas naquele regime: uma extensão de saúde, mercado ou feira, equipamento desportivo, jardim com parque infantil, equipamento cultural, serviço associativo de proteção social de idosos e "uma coletividade que desenvolva atividades recreativas, culturais, desportivas ou sociais", como pode ler-se no anteprojeto, a que o JN teve acesso. Na versão anterior, requeria-se a existência de cemitério, de farmácia ou parafarmácia e/ou de multibanco para a desagregação. Foram retiradas do documento.
Contudo, o regime vai além da mera desagregação de freguesias. A proposta do Governo socialista prevê não só a autonomização, como a fusão de freguesias, desde que essa seja a vontade dos autarcas locais. "As freguesias a criar através de agregação podem pertencer a municípios distintos", contempla o diploma, salientando, também, a possibilidade de fusão da "totalidade ou de parte de duas ou mais freguesias".
Decisão até abril de 2021
O novo regime terá de ser aprovado na Assembleia da República, a quem cabe também aceitar ou recusar as propostas dos autarcas para a criação de novas freguesias. A ANMP e a ANAFRE querem um novo mapa autárquico em vigor nas eleições autárquicas de 2021, porém isso obriga a que a lei entre em vigor ainda este ano e todas as propostas de desagregação de freguesias sejam decididas até março ou abril de 2021 no Parlamento.
Estas datas pressupõem que o sufrágio se realizará em setembro ou em outubro do próximo ano. O anteprojeto mantém a proibição de criação de novas freguesias "durante o período de cinco meses" que antecede a data de "quaisquer eleições a nível nacional".
Posição
ANMP quer regime específico para as freguesias extintas
A nova versão do regime para a criação de freguesias, proposto pelo Governo, ainda não convence a Associação Nacional de Municípios (ANMP). Embora tenham sido eliminadas condições que mereciam a discordância dos autarcas, o diploma não permite que todas as freguesias extintas em 2013 possam ressurgir, já que muitas não conseguiriam satisfazer as condições mínimas definidas pelo Governo. Daí que a ANMP continue a reivindicar um "regime específico de reversão das freguesias agregadas em 2013", como indica o parecer aprovado ontem pela associação. Exige-se, ainda, que o novo mapa entre em vigor antes das eleições autárquicas de 2021.
A saber
5 critérios para reverter a fusão de freguesias: prestação de serviços; eficácia e eficiência da gestão pública; população e território; história e identidade cultural e vontade política.
Passos do processo
A desagregação tem de ser proposta por um terço dos membros do órgão deliberativo das freguesias. A Assembleia de Freguesia tem 15 dias para aprová-la por maioria absoluta. Segue para a Assembleia Municipal que pedirá parecer à Câmara. Se não responder em 15 dias, considera-se favorável à desagregação. Por fim, terá de ser aprovada por maioria absoluta na Assembleia Municipal. A decisão final é do Parlamento.