Clientes com tarifário bonificado por estar na lista de desligamento foram os primeiros a ficar sem eletricidade.
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O apagão que afetou vários países europeus, incluindo Portugal, no passado sábado, foi um evento "raríssimo" causado pelo facto de as redes elétricas estarem todas interligadas. Mas nem todos ficaram sem energia em casa, porque os planos de desligamento mandam cortar por ordem de necessidade e de consumo. Em breve, chegarão aos consumidores particulares os contratos que oferecem descontos se aceitarem estar na lista dos não-prioritários.
"As redes de energia europeias estão todas interligadas, o que é bom, porque estão pensadas para, em condições normais, fazerem a distribuição equilibrada de eletricidade. Normalmente, entre as redundâncias do sistema e a capacidade de recuperação da rede, nem se notam as perturbações", explicou Ângelo Sarmento, administrador da E-Redes, empresa responsável pela distribuição de energia em alta e média tensão em Portugal, ao JN.
Quando a rede não consegue recuperar, para que não colapse por completo, ativam-se planos de desligamento, como fizeram a REN e a E-Redes, no sábado passado. O primeiro corte foi a grandes consumidores que têm bonificação nos contratos para momentos destes e aos não prioritários. Em seguida, o plano cortou as centrais com consumo muito baixo (ou que não estivessem a produzir para ajudar a rede), bem como as que já tinham sido identificadas como não essenciais para serviços prioritários, como hospitais ou bombeiros. O corte durou cerca de uma hora.
Com o aumento do consumo de energia e a necessidade de afinar aquele tipo de planos, em breve haverá "entidades que começarão a vender o serviço que oferece desconto ao consumidor se ele aceitar ficar nessas listas para desligar a energia em caso de necessidade". Será uma forma de tornar a gestão da rede mais racional, mesmo que as probabilidades de novo apagão sejam remotas. "Estes planos de deslastres já estavam feitos, embora não fosse de prever que acontecesse algo assim. Em 40 anos na empresa, só me lembro de um incidente na Alemanha [2006], que chegou a afetar Portugal", recordou.
Mais barato comprar excedentes
Sábado passado, explicou a REN, "um problema na interligação do sistema elétrico entre França e Espanha, na sequência de um incidente na rede de transporte francesa" cortou a energia a Portugal durante meia hora. Naquele momento, o nosso país "estava a comprar muitos megawatts a França", revelou Sarmento. De repente, havia"menos 2800 megawatts, que foi preciso encontrar na rede para salvar o nosso sistema".
"Não é uma questão de estarmos dependentes de energia do estrangeiro", sublinhou Sarmento. "Temos capacidade instalada, mas muitas vezes não garante a inércia da rede [produção sem consumo] na frequência necessária e sai muito mais barato comprar os excedentes de outros países", explicou. Portugal tem, ainda, centrais a carvão que podem ser religadas em caso de apagão total do resto da Europa, embora isso demore tempo e polua mais do que o desejável.
Dois casos
Cegonha azarada
Pouco passava das 22 horas do dia 9 de maio de 2000 quando um apagão deixou a capital e o Sul do país às escuras. Segundo a EDP, uma cegonha eletrocutada causou a sobrecarga. Demorou duas horas a reparar.
Erro humano
Foi atribuído a erro humano o apagão de novembro de 2006 que deixou meia Europa às escuras. Foi desligado um cabo sobre rio Ems, na Alemanha, para deixar passar um navio de cruzeiros.
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Comprar em saldos mesmo se produzimos
A eletricidade europeia é vendida, muitas vezes, em leilões diários, sendo fornecida através das redes interligadas. Segundo a REN e a E-Redes, no momento do incidente, Portugal estava "fortemente comprador" da eletricidade francesa. "A interligação de França para Portugal estava a debitar muitos megawatts porque o preço estava muito baixo e era uma boa oportunidade para comprarmos a França", adiantou Sarmento, da E-Redes. A nossa produção não funciona quando não compensa e é por isso que há várias centrais desligadas.