Pedro Pires, de 51 anos, não se lembra de quando começou a gaguejar. A alteração do ritmo da fala manifestou-se em tenra idade, mas só no Ensino Básico, "aos seis, sete anos" é que se apercebeu de que tinha um problema.
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Técnico superior na área da documentação, é um dos 70 a 100 mil portugueses afetados pela perturbação da comunicação, que agora ganha maior visibilidade com a entrada para o Parlamento de Joacine Katar Moreira, que também tem este problema.
"Pensamos que tem dado um grande contributo para pôr a gaguez na ordem do dia e será com certeza uma interlocutora privilegiada", adiantou ao JN José Carlos Domingues, presidente da Associação Portuguesa de Gagos (APG) sobre a eleição da deputada do Livre.
"Vai aumentar a visibilidade", acrescentou, por seu lado, a terapeuta da fala Jaqueline Carmona. Se "a comunidade passar a ter outra perspetiva" sobre a gaguez, isso irá beneficiar a qualidade de vida das crianças e dos adultos, mas principalmente dos jovens: "Ser adolescente com gaguez é uma grande prova de fogo".
Um terço ultrapassa problema
De acordo com a terapeuta, 5% a 8% das crianças entre os dois anos e meio e os cinco anos apresentam problemas na fala. Mas só um terço é que acaba por conseguir ultrapassá-los. No entanto, alerta a especialista, os profissionais de saúde dizem aos pais para esperar seis meses "a ver se passa".
"Quando há suspeita de diabetes, ninguém vai para casa sem orientações", frisou. Há fatores de risco a que os pais devem estar alerta - como a hereditariedade ou quatro repetições de uma palavra com muita frequência - e também comportamentos que não devem ter, como dizer para respirarem ou terem calma.
"Uma das nossas linhas de ação é divulgar informação junto dos profissionais de saúde relativamente à gaguez. A intervenção ou a avaliação precoce é fundamental para o sucesso da terapia", adiantou o presidente da APG, que lamentou a falta de terapeutas da fala no Serviço Nacional de Saúde (SNS). "Não temos números, mas o feedback que recebemos é de que a cobertura é pouca".
Mais tempo para falar
A falta de legislação que permita, por exemplo, uma tolerância no tempo na apresentação de trabalhos e provas de exame (segundo Jaqueline Carmona, a Irlanda tem uma lei do séc. XVII que dá mais tempo às pessoas com gaguez) é uma das falhas mais sentidas. "Estão à mercê da vontade e do bom senso dos professores", sublinhou a terapeuta.
E esta também foi uma das dificuldades sentidas por Pedro Pires, durante o seu percurso académico. As piores coisas que atualmente lhe podem fazer, e tendo noção de que não é por mal, é quando lhe tentam "acabar as frases". "Como às vezes não articulo as palavras tão rápido, não consigo que me deem a devida atenção em conversas de grupo".
As limitações que se preveem nas intervenções de Joacine Moreira no hemiciclo levaram, entretanto, o Livre a anunciar que vai pedir ao próximo presidente da Assembleia da República mais tempo do que o regulamentar. Medida que Pedro Pires considera poder ter "lógica", apesar de não gostar que os que sofrem de gaguez sejam "tratados como coitadinhos".
"Faz todo o sentido que se implementem medidas que permitam aos eleitos focarem-se no conteúdo" que pretendem transmitir, garantiu José Carlos Domingues, lembrando que na legislatura agora a terminar foram colocadas rampas de acesso para um deputado deficiente motor (Jorge Falcato, do Bloco de Esquerda).
Saber mais
Nervosismo e stresse não causam gaguez - O nervosismo é a causa da gaguez? Errado, a gaguez não tem origem no nervosismo, nem no stresse, nem nasce por causa de um susto ou qualquer tipo de trauma. As causas da gaguez são genéticas, neurológicas e psicossociais.
Milhões de gagos - Mais de 68 milhões de pessoas no Mundo têm gaguez, ou seja, 1% da população. Em Portugal estima-se que haja 70 a 100 mil pessoas com gaguez.
Afeta mais homens - A gaguez afeta mais o sexo masculino: o rácio é de quatro homens para uma mulher.
Outros casos
Mário Laginha, pianista
Desde os três anos que tem esta perturbação, mas nunca lhe deu importância. Até porque só se nota mais quando fala mais depressa.
Maria João Seixas, jornalista e escritora
Sofre de gaguez desde a infância, o que não a impediu de apresentar programas de televisão.
James Rodriguez, futebolista
O jogador do Real Madrid abriu uma guerra entre o "The Sun" e a imprensa colombiana (onde nasceu) por os britânicos terem gozado com a sua gaguez.
Andrew Duff, antigo eurodeputado britânico
Eurodeputado entre 1999 e 2014, não deixou que a gaguez o impedisse de discursar no Parlamento Europeu.