Dos 105 documentos que João Galamba considerou segredos de Estado, 101 passaram a ter a classificação "reservados", equivalente a 96,2% (aproximadamente).
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O ministro João Galamba mandou classificar 105 documentos da Infraestruturas de Portugal (IP) como segredos de Estado a 21 de abril de 2023. Passados nem dois meses, já só sobravam quatro com essa designação. O ministro reclassificou 101 dos documentos como "reservados" num despacho a 14 de junho, ao qual o "Público" teve acesso, ao abrigo da LADA (Lei de Acesso aos Documentos Administrativos).
O novo despacho, que equivale à alteração de 96,2% (aproximadamente) dos documentos, justifica que o grau de classificação "confidencial" foi atribuído "a título preventivo, tendo-se constatado, após análise superveniente, que o seu conteúdo não justifica o grau de classificação inicial".
Dos 105 documentos, 101 passaram a ter a classificação "reservados". Dos quatro que se mantiveram confidenciais, encontra-se a proposta de plano de ação da IP para responder às recomendações do Gabinete de Prevenção e Investigação de Acidentes com Aeronaves e de Acidentes Ferroviários (GPIAAF) sobre a investigação da colisão de comboios na Estação de Soure, a 31 de julho de 2020. Embora o relatório do acidente seja público, João Galamba considera que as medidas a tomar pela IP para evitar um acidente futuro são um segredo de Estado.
Dos restantes documentos confidenciais, encontra-se um chamado "Evidência da Aprovação do Conselho de Administração ao PME-SGS-IP e divulgação problema 17", sendo que tudo o que se sabe é que o SGS é um Sistema de Gestão de Segurança. Já os outros dois são a "Proposta CAE_25_2022_DSS_IP" e a "Proposta CAE_29_2022_DSS_IP", de apenas uma página.
Revisão e reclassificação dos documentos
O presidente da IP, Miguel Cruz, escreveu uma carta a 19 de abril de 2023, onde pedia que o "acesso ao processo administrativo referente ao procedimento de autorização de segurança conferido à IP" fosse "indeferido".
No entanto, um mês depois, o mesmo responsável pediu à tutela a "revisão da classificação dos documentos no suprarreferido despacho". De acordo com o jornal "Público", o motivo foi a impossibilidade de funcionar normalmente com tantos documentos sujeitos a restrições. "Existe um conjunto de documentos cujo manuseamento se mostra necessário por um elevado número de trabalhadores, não só da IP, como também de entidades externas como fornecedores e empresas de transporte ferroviário", referiu Miguel Cruz a João Galamba.
O ministro das Infraestruturas voltou assim atrás na sua classificação de documentos confidenciais e passou 101 documentos para a classificação de “reservado”. A maior parte dos documentos que passaram a ser secretos estava na posse de bombeiros, autarquias, Proteção Civil, concessionários de estações, empreiteiros e operadores ferroviários.
A classificação acelerada por parte do ministro, de acordo com especialistas em Direito Constitucional e Administrativo, pode ser considerada ilegal e inconstitucional. Desta forma, pode configurar um desvio de poder, dado que os documentos considerados confidenciais não têm nada que afete a segurança nacional.