Com os custos de produção a disparar e os preços de venda fixos, há medicamentos genéricos que estão a dar prejuízo ao fabricante e podem, a qualquer momento, deixar de ser produzidos.
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No dia em que se assinalam 30 anos sobre o início da comercialização de genéricos no país, a associação que representa o setor alerta para a ameaça iminente e pede ao Governo medidas urgentes.
As empresas não aguentam ter produtos com margem negativa muito tempo e, por isso, é inevitável que interrompam a produção, refere a presidente da Associação Portuguesa de Medicamentos Genéricos e Biossimilares (Apogen). Maria do Carmo Neves frisa que "não há margem para esperar mais tempo" e teme o pior se as medidas tardarem.
"Primeiro vão acontecer as ruturas e depois serão as empresas a encerrar", prevê. A associação defende uma revisão em alta do preço dos medicamentos - que "desceu 67% entre 2006 e 2022"- de forma a que "absorção dos custos" seja partilhada entre as empresas e o Estado, sem afetar o utente. A proposta está a ser trabalhada para ser apresentada à tutela, disse, ao JN, Maria do Carmo Neves.
Segundo a Apogen, os custos com a produção de medicamentos (energia, matérias-primas, transportes e outros) subiram entre 25% e 30% nos últimos anos. Já vinham em crescendo, mas dispararam com a pandemia e a guerra na Ucrânia. "Estamos numa situação mesmo muito difícil", frisa a presidente.
Questionado pelo JN, o Ministério da Saúde não esclareceu se tenciona tomar medidas para ajudar a indústria. Assumindo que "os genéricos são indispensáveis à sustentabilidade do SNS na área do medicamento", a tutela lembra que aqueles fármacos "não têm sido sujeitos nos últimos anos às reduções de preço, que podem resultar do processo anual de revisão de preço". E acrescenta que já existe um mecanismo que permite ao titular de introdução no mercado pedir a alteração do preço de venda ao público. "Através deste mecanismo, foi revisto o preço de 17 medicamentos em 2021, e de dois medicamentos nos primeiros quatro meses de 2022", realçou.
Poupar para inovar
Os genéricos geraram, em 2021, uma poupança para o Estado e para as famílias de quase 480 milhões de euros. E é com esta poupança que o Serviço Nacional de Saúde todos os anos ganha fôlego para adquirir fármacos inovadores, que custam milhares de euros.
As ruturas e eventuais encerramentos de laboratórios que produzem genéricos podem, por isso, ter impacto direto no bolso dos doentes, que serão obrigados a optar por medicamentos mais caros, mas também prejudicar o acesso à inovação, explica a Apogen. "É preciso investir nos genéricos para libertar dinheiro para a aquisição de medicamentos inovadores", realça Maria do Carmo Neves.
Adequar incentivos
Com três décadas de história, o mercado dos genéricos foi sendo impulsionado com medidas políticas. A quota de utilização destes fármacos, que reproduzem os originais quando estes perdem a patente, cresceu consistentemente até 2013, abrandou o ritmo e estagnou em 2019 (ver infografia acima).
Segundo um estudo realizado no ano passado para a Apogen, para aumentar a quota de utilização é preciso continuar a investir na informação e formação sobre estes medicamentos junto dos médicos, estudantes de medicina e dos utentes, mas também "adequar os sistemas de incentivos" às farmácias.
Questionada pelo JN sobre se tem alguma proposta para tornar a venda de genéricos mais interessante, a Associação Nacional de Farmácias confirmou que "está a trabalhar numa proposta", mas não quis desvendar o seu conteúdo.
Aprovados 95 novos até maio
Entre janeiro e maio deste ano, foram financiados 95 processos de novos genéricos, mais 64% face ao período homólogo, disse o Infarmed. Em 2021, foram vendidas em média 260 milhões de unidades de genéricos por mês. Os mais usados são do grupo terapêutico do aparelho digestivo, para as afeções cutâneas e aparelho cardiovascular.