INESC do Porto tem quase pronta a aplicação de telemóveis para rastreio de contactos de infetados.
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No final deste mês, a aplicação móvel para rastreio de contactos de doentes de covid-19 denominada "StayAway", do Instituto de Engenharia de Sistemas e Computadores, Tecnologia e Ciência (INESC TEC), estará em condições de ser entregue à Google e à Apple para ser disponibilizada nas respetivas lojas virtuais. Mas, embora ela seja por todos referenciada como a aplicação, entre muitas outras que estão em desenvolvimento em empresas e escolas do país, que conta com o apoio do Governo, este não firmou um contrato ou qualquer outro acordo formal com aquele instituto privado do Porto.
"Não há acordo, não há contrato, nem eu lhe posso dizer que é a aplicação oficial", assume o responsável pelo desenvolvimento da StayAway, Rui Oliveira, explicando que o INESC apresentou o projeto ao Ministério da Ciência, com o qual tem mantido uma colaboração e contactos "quase diários" para que aquele resulte na aplicação oficial do país. Porém, a duas semanas de ter o produto pronto, não recebeu garantia nem promessa nenhumas: "Se o Governo decidir amanhã não oficializar a aplicação, eu vou-me sentir triste, mas não me posso sentir defraudado", diz.
Só uma APP por país
A não ser que venda a "app" para outros países, o risco de o INESC TEC desperdiçar o trabalho realizado por 20 investigadores em três meses, aparentemente, é considerável. "Qualquer aplicação, para ser disponibilizada pela Apple e pela Google, precisa de um endosso governamental", explica Rui Oliveira. Além disso, aquelas rivais, cujos sistemas operativos IOS e Android estão na maioria dos "smartphones", surpreenderam o mundo com um acordo que implica, designadamente, uma única "app" de rastreio de contactos por país.
Impasse é europeu
Rui Oliveira, também administrador do INESC TEC, não apresenta uma explicação concreta para a indecisão do Governo, embora observe que, "na maioria dos países da Europa, a discussão [também] está a ter lugar".
"Em Espanha, Itália, França Suíça, Bélgica, Holanda, Alemanha, Estónia, Dinamarca, Noruega, Reino Unido, está a ser desenvolvida uma aplicação destas, por pessoas com quem eu estou em contacto, e também ainda não houve nenhuma decisão", acrescenta.
Há ali controvérsias distintas, mas o responsável não deixa de associar o impasse geral ao facto de a Europa ser o espaço onde os direitos individuais são mais respeitados: "Se olharmos para a Ásia, vemos que, em países autoritários, isto andou mais depressa", compara. Ainda assim, o também professor da Universidade do Minho garante que a aplicação respeita a proteção de dados pessoais, com a anonimização de dados, a utilização exclusiva para a covid-19 e o caráter voluntário da adesão à mesma.
A 2 metros por 15 minutos
Se um utilizador da StayAway testar positivo para covid-19, um profissional de saúde vai introduzir o resultado numa plataforma associada. Depois, a "app" alerta os utilizadores que tenham estado a menos de dois metros de distância daquele infetado, durante pelo menos 15 minutos, nos 14 dias anteriores (período máximo de incubação do vírus).
"A aplicação vai dizer: "anteontem, esteve bastante tempo perto de uma pessoa infetada. Contacte o SNS"", ilustra Oliveira. O utilizador será informado do dia daquele contacto, "porque isso pode ser relevante para os médicos", mas não do lugar onde ele aconteceu.
A proximidade de risco será detetada e registada apenas pelo sistema "Bluetooth" dos telemóveis. Em abril, a Comissão Europeia avisou que a legislação comunitária impede o rastreio de localizações por meio, por exemplo, do sistema GPS.
O JN questionou o gabinete do primeiro-ministro e o MCTES sobre a não assinatura deste contrato, mas não obteve resposta em tempo útil.
Exige muitos aderentes e muitos testes
Quando avisados pela aplicação de que tiveram um contacto de risco com uma pessoa infetada por covid-19, os utilizadores deverão informar as autoridades de saúde desse facto e, em princípio, submeter-se a um teste de despistagem da doença. Por isso, é consensual que o funcionamento das aplicações de rastreio de contactos pressupõe uma grande capacidade de realização de testes, como também um grande número de falsos positivos. Outra condição que os epidemiologistas têm apontado como necessária para as aplicações serem realmente eficazes é a adesão de 60% da população. Rui Oliveira, responsável pelo desenvolvimento da aplicação "StayAway", espera que, se esta for adotada pelo Governo, seja promovida uma campanha para convencer os portugueses a aderirem.