Governo com síndrome da "Gata Borralheira" anuncia demissões depois da meia-noite
A saída de Pedro Nuno Santos do Governo foi anunciada depois da meia-noite. Um horário considerado "bizarro", que não é uma estreia, e que não reduz o "impacto mediático das polémicas".
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Quando em agosto, o ministério da Saúde lançou um comunicado a anunciar a saída da então ministra Marta Temido, os ponteiros dos relógios já passavam da meia-noite e muitos portugueses foram surpreendidos pela novidade quando desativavam o alarme do telemóvel pela manhã.
Esta semana, mais duas saídas do Governo chegaram ao conhecimento público neste horário "bizarro", como considera o professor catedrático José Fontes, que usa uma imagem para ilustrar a escolha. "É a síndrome da Gata Borralheira. Nem conseguimos dormir descansados com as mensagens que recebemos a dizer que saiu este ou aquele".
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A saída do ministro das Infraestruturas anunciada esta quinta-feira, também de madrugada, é mais um dos casos da transformação do Governo, depois da hora mágica do conto infantil, justificada eventualmente pela "falta de capacidade de que as notícias não se difundam muito rapidamente. A partir do momento em que tomam uma decisão, é muito difícil controlar a sua divulgação".
Horário não reduz desgaste político
Mesmo que as primeiras páginas dos jornais deste dia não tenham a notícia do momento, neste caso o afastamento do "peso pesado" do Governo, Pedro Nuno Santos, as de amanhã tê-la-ão e no online não falta espaço para fazer correr tinta, como explica a investigadora da Universidade do Minho Felisbela Lopes.
"Este horário não poupa o impacto mediático que estas demissões têm, não subtrai a polémica de forma absolutamente nenhuma", até porque, considera "estará no topo das respetivas páginas dos jornais no digital, que nos dias de hoje têm um impacto, em alguns casos, até superior à versão impressa".
Para a docente, a rapidez na decisão seria mais estratégica, em termos de redução de impactos de imagem do Governo e de desgaste dos diferentes ministérios envolvidos na polémica contratação da agora demissionária secretária de Estado do Tesouro, que saiu com uma indemnização milionária da TAP, pouco mais de um ano depois de assumir o cargo.
"Ao deixar que o assunto tomasse conta do espaço público político e mediático, levou com que se adensasse a polémica. Foi uma decisão que não foi tomada no momento certo e a secretária de Estado foi até incauta ao aceitar o cargo", considera Felisbela Lopes.
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Governo é "a própria fonte de instabilidade"
Numa análise menos imagética, o também constitucionalista José Fontes critica a fragilidade do Governo apontando "falta de transparência", com as inúmeras saídas do Governo. "Quem é que escolheu Pedro Nuno Santos? E Marta Temido? Foi a Oposição?", questiona.
A saída de Pedro Nuno Santos, defende o professor de Direito na Academia Militar, "não é mais um caso e casinho", como António Costa se tem vindo a referir às diversas remodelações desde a tomada de posse da maioria absoluta. "Era o putativo sucessor de Costa e está de saída do Governo. É uma trapalhada atrás de outra. A Oposição não vai deixar morrer a questão e bem. O Governo não pode atuar sobre a guerra na Ucrânia, mas sobre isto pode atuar".
Para o especialista em assuntos políticos, o Governo vive um momento "que não é muito feliz" e está a ser "a própria fonte de instabilidade vivida no país", apelando a que António Costa faça uma avaliação rigorosa e reavalie os nomes escolhidos para integrarem a sua equipa, sob pena de voltarmos a ter mais casos "da Gata borralheira" pela frente.