Direção-Geral do Consumidor abriu nove processos de contraordenação sobre alegações ambientais e Executivo reconhece que o número de casos é crescente.
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Num mundo em que a consciência ambiental é cada vez mais urgente, há um número crescente de empresas que se fazem passar por amigas do Ambiente. A Direção-Geral do Consumidor (DGC), tutelada pelo Ministério da Economia, tem abertos nove processos de contraordenação relativos a alegações ambientais, que se podem traduzir numa prática de "greenwashing" (branqueamento ecológico). O fenómeno levado a cabo por empresas e por instituições consiste em comunicar, através de marketing ou de publicidade, que se é sustentável ou ecológico com o intuito de atrair clientes ou de criar uma imagem "verde". Quando isso pode estar longe da verdade.
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"Há dois tipos de greenwashing. Um que é feito intencionalmente: a marca tem a perfeita noção de que está a propor algo que não é ambientalmente favorável, mas tenta, ainda assim, passar essa mensagem. Depois, há o que resulta de informações erradas e perspetivas diferentes", explica Susana Fonseca, da associação Zero.
A Deco identificou três casos passíveis de branqueamento ecológico, à DGC, não tendo recebido, até à data, qualquer decisão da autoridade (ler Casos). Rosário Teixeira, jurista da associação de consumidores, admite que o fenómeno pode levar a"interpretações díspares", não só por ser uma realidade recente, mas também por não existir um "sistema de pré-validação de alegações [ambientais]".
"Amigo do Ambiente" ou "produto verde" são expressões que devem fazer soar o alarme de quem compra ou usa um produto com tais conceitos, defende Carmen Lima, da associação Quercus. Há "determinadas designações que acabam por transmitir uma imagem de que estão isentos de qualquer impacto ambiental", afirma.
Fenómeno crescente
Fonte do Ministério da Economia avança ao JN que os setores de atividade "recentemente alvo de atenção" na comunicação comercial foram a "etiquetagem energética, o setor automóvel, o setor energético e, ainda, o setor têxtil".
A fiscalização sobre alegações ambientais começou em 2018 pela DGC, uma delas em parceria com a Comissão Europeia (Sweep 2020). Apesar de não se conhecer resultados quanto aos processos de contraordenação, o Governo admite que a utilização de alegações ambientais é "crescente", tendo lançado um guia explicativo sobre braqueamento ecológico para consumidores e empresas, no início desta semana. Se a contraordenação for considerada muito grave, a coima começa nos dois mil euros.
Rótulos ambientais
Pelo lado dos operadores económicos, a Associação Empresarial de Portugal reconhece que a iliteracia ambiental existe, estando as preocupações das empresas ainda muito focadas nas "temáticas mais simples, como a redução do consumo de água, a redução da energia e reciclagem", adianta o dirigente Luís Miguel Ribeiro.
A ambientalista Susana Fonseca defende que a luta contra o plástico tem sido a bandeira de muitos operadores contra as alterações climáticas, contudo a ação é extrapolada."Uma marca afirma que utiliza plástico recuperado dos oceanos. No final, usam apenas 5% desse material", exemplifica.
Para as associações, a solução passa por mais fiscalização, através da obrigatoriedade de rótulos ambientais, à semelhança da informação nutricional nos produtos alimentares, ou da apresentação de documentação para comprovar o uso de expressões "verdes".
Por outro lado, é preciso incentivar os consumidores a serem mais exigentes."Com a boa vontade de querer comprar algo que tenha menos impacto ambiental [os clientes] levam um produto com o mesmo ou, às vezes, mais impacto", clarifica Carmen Lima, para quem o "greenwashing" é sobretudo visível nas grandes marcas internacionais, algumas a atuar em Portugal.
De forma a desfazer dúvidas, Susana Fonseca aconselha a procura pelos certificados ecológicos, emitidos por entidades credíveis. Caso contrário, não há garantia de que a informação "ambiental" seja fidedigna.
Casos
Deco denunciou três organizações à reguladora
A associação identificou três casos, que "no seu entendimento", se "podem enquadrar como alegações ecológicas enganosas ", e remeteu-os para a DGC. As protagonistas são Ryanair, Renault e "The Good Bottle". No caso da companhia aérea, um dos anúncios referia ser a "mais ecológica e com as emissões de carbono mais baixas na Europa". Já a marca de carros alegou que "os veículos elétricos poluem zero", segundo a Deco. Por último, a "The Good Bottle" (um dos envolvidos é a Fundação Mirpuri) era tida como uma garrafa "100% biodegradável". Apenas a Renault respondeu ao pedido de esclarecimento do JN, defendendo que a campanha "não incidia em promover características ecologicamente/ambientalmente responsáveis".
Pormenores
Guia
A Direção-Geral do Consumidor (DGC) e a Autorregulação Publicitária lançaram, no início da semana, um documento explicativo a consumidores e a operadores económicos sobre o tema das alegações ambientais. Além da clarificação de conceitos, o guia apresenta uma lista de boas e más práticas.
Fiscalização
Na maioria dos países, são as autoridades nacionais dedicadas à defesa do consumidor a atuar sobre o tema das alegações ambientais e das práticas de branqueamento ecológico. Em Portugal, a tarefa é da responsabilidade da Direção-Geral do Consumidor, tutelada pelo Ministério da Economia.
Internet
A ação da Comissão Europeia destinada à verificação do cumprimento da legislação europeia de defesa do consumidor, através da consulta de websites, centrou-se nas alegações ambientais no ano passado. As autoridades da UE analisaram 344 alegações: em 42% dos casos, suspeita-se que eram falsas ou enganosas.
Denúncias
O Ministério da Economia adiantou, ao JN, que a DGC tem iniciado ações de fiscalização às alegações ambientais por iniciativa própria. Contudo, a tutela acrescenta que é feito o "tratamento de queixas e de reclamações, sejam estas de consumidores ou de operadores económicos ou mesmo de associações de consumidores".