Descentralização da Educação teria verba de 120 mil euros por escola, em vez dos 20 mil que estão a ser atribuídos, segundo as contas do Município do Porto. Nova comissão técnica do Governo e da Associação para reavaliar as transferências reúne na próxima quinta-feira.
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O Governo paga à Parque Escolar seis vezes mais pela manutenção das escolas públicas do que está a atribuir aos municípios. As contas são da Câmara do Porto, que conclui que, segundo a mesma fórmula, a verba anual por escola devia ser de 120 mil euros e não os 20 mil que estão a ser transferidos. A comissão técnica do Governo e da Associação Nacional de Municípios (ANMP), que vai reavaliar os montantes, tem a primeira reunião agendada para o dia 4.
Se o Estado pagasse à Câmara do Porto o mesmo que paga à Parque Escolar pela gestão das escolas, a verba teria de ser seis vezes superior. Segundo o contrato-programa entre o Estado e a Parque Escolar, o Governo atribui 1,353 euros (1,10 mais IVA) por metro quadrado, todos os meses, para manutenção das escolas da empresa pública. Se a fórmula fosse aplicada aos 7473,4 metros quadrados de área das escolas que o Porto receberá no âmbito do processo de descentralização, a verba seria de 121 338,12 euros, por ano e por escola, ao invés dos 20 mil euros que recebe atualmente.
"É uma diferença abismal. Isto demonstra que ainda há tempo para corrigir", afirma Rui Moreira ao JN. O autarca sugere "uma alteração que faça com que aquilo que é o pagamento aos municípios pelas escolas a transferir obedeça a valores por metro quadrado equivalentes àquilo que o Estado entende ser justo pagar à sua subsidiária Parque Escolar".
Recorde-se que as escolas da rede Parque Escolar - só no Porto são nove - continuam na empresa pública. Já as 19 que vão ser transferidas para a Câmara portuense, para além de terem dotação menor, também são as que estão em pior estado e, como tal, têm maiores despesas de manutenção. "As da Parque Escolar tiveram intervenções recentes no último decénio, ao passo que nós vamos receber escolas que não têm intervenções há 40 anos", lamenta Moreira, que discorda da opção de transferir para as câmaras apenas as antigas.
Verba é temporária
O processo de descentralização tem sido muito polémico, em particular na área da Educação, e tem recebido críticas de vários autarcas que discordam do valor de 20 mil euros que está a ser pago a todas as câmaras do país. Rui Moreira acusa a anterior direção da ANMP de ter negociado com o Governo sem o aval do município portuense, o que resultou numa "contaminação deste processo no aspeto financeiro" e levou a que a Câmara encetasse o processo de desfiliação da associação.
Tal como o JN noticiou no passado dia 19, a verba de 20 mil euros por escola deveria ser transitória, até que a portaria de atualização de montantes fosse publicada. Porém, a portaria já leva um atraso superior a dois anos, pois, segundo a lei, devia ter sido publicada a 30 de janeiro de 2020 e ainda não foi.
Na base do atraso está a ausência de conclusões da Comissão Técnica de Desenvolvimento, composta pelo Governo e ANMP. É a esta comissão que cabe fazer as contas que vão servir de base à portaria, mas os anteriores membros só reuniram duas vezes desde que ela foi criada, em 2019.
Atualização avança
O Ministério da Coesão, que herdou o processo da descentralização há um mês, e a nova direção da ANMP, liderada por Luísa Salgueiro desde dezembro, já escolheram os novos membros da comissão técnica.
Fonte governamental confirmou, ao JN, que a primeira reunião da "nova" comissão está agendada para 4 de maio: "É deste trabalho que sairá o valor mais justo a atribuir a cada município". A proposta de Orçamento do Estado para 2022 prevê a possibilidade de atualização das verbas consignadas a cada câmara através da reafetação de dotações de um município para o outro e, quando este modelo esgotar, esse reforço sairá do orçamento do ministério correspondente. Neste caso, será do Ministério da Educação, após aval das Finanças.
Sociais-democratas
Autarcas pedem uma avaliação trimestral
Os Autarcas Social Democratas (ASD) defendem uma avaliação trimestral dos recursos financeiros atribuídos aos municípios no âmbito da descentralização, de forma a permitir acertos de contas face às despesas municipais com a Educação, a Saúde e a Ação Social. Os autarcas do PSD temem que os "serviços percam qualidade por falta de verbas a transferir pelo Governo" e que as câmaras "tenham de comprometer verbas dos orçamentos municipais para acudir às despesas prementes", perdendo "capacidade para cumprir projetos autárquicos em tempos difíceis". Os sociais-democratas alertam, ainda, que "os atrasos no processo de descentralização e a falta de transparência na identificação dos meios, recursos e montantes financeiros adequados por parte dos serviços da Administração Central e do Governo, estão a conduzir a grande confusão e a gerar desconfiança, o que inquina o processo".
Momentos marcantes
20 DE MARÇO DE 2018 - Cimeira de Sintra
A proposta que reuniu o consenso dos 35 municípios que integram as duas áreas metropolitanas, Porto e Lisboa, foi apresentada ao Governo na cimeira realizada a 20 de março de 2018, em Sintra, na presença do primeiro-ministro.
6 DE JULHO DE 2018 - Críticas a Machado
Rui Moreira enviou uma carta ao então presidente da ANMP, Manuel Machado, manifestando profundo desacordo perante a forma como esta associação tinha conduzido o processo de descentralização de competências.
24 DE JULHO DE 2018 - Moção do Porto
Reunido em sessão ordinária, o Executivo municipal do Porto aprovou uma moção onde declarou que não se sentia representado pela ANMP e, como tal, não se vinculava a qualquer decisão que a associação tivesse tomado ou viesse a tomar, no futuro, em seu nome. Foi enviada ao então líder da ANMP, Manuel Machado.
30 DE JANEIRO DE 2019 - Decreto da Educação
O Decreto-Lei n.º 21/2019 de 30 de janeiro concretizou a transferência de competências para os órgãos municipais e entidades intermunicipais no domínio da Educação. O preâmbulo refere que o diploma resulta de um extenso trabalho realizado com a ANMP.
12 DE JANEIRO DE 2020 - Declaração do Rivoli
Na conferência do JN "Caminhos da Descentralização", Rui Moreira desafiou todos os autarcas a associarem-se à Declaração do Rivoli. Nela, "instam o Governo a suspender de imediato a aplicação da Lei n.º 50/2018", relativa à descentralização de competências em vários domínios.
7 DE MARÇO DE 2022 - Moreira e Moedas
Os presidentes das câmaras do Porto e de Lisboa, Rui Moreira e Carlos Moedas, enviaram uma carta ao primeiro-ministro, António Costa. Nessa missiva, ambos afirmaram "que o prazo de transferência de competências nas áreas da Saúde e da Educação terá, necessariamente, de ser prorrogado.
1 DE ABRIL DE 2022 - Prazo final
Além da Educação e da Saúde, também a Ação Social deveria ser uma área obrigatória a partir de 1 de abril, mas o Governo aprovou a possibilidade de os municípios pedirem a prorrogação até 1 de janeiro de 2023 naquela área.
12 DE ABRIL DE 2022 - Porto anuncia saída
A Câmara do Porto redige um documento onde é proposta a desfiliação da ANMP, em virtude da postura "de cumplicidade e total conivência com as medidas adotadas pela Administração Central", no âmbito do processo de descentralização na Educação.
19 DE ABRIL DE 2022 - ANMP pede adiamento
Luísa Salgueiro, atual líder da ANMP, escreveu a Rui Moreira para pedir-lhe que adie a decisão de sair da ANMP. Um dia depois, o Executivo municipal portuense aprovou a saída, com Rui Moreira a admitir "voltar atrás" caso o problema se resolva até 30 de maio, data em que a saída será votada na Assembleia Municipal.
Saber mais
13 milhões de euros serão recebidos pela Câmara do Porto, fruto da descentralização da Educação. Proposta é votada na segunda-feira.
20 milhões anuais por escola é a quantia para a manutenção dos edifícios. Os 13,9 milhões são referentes a várias despesas.
*com Carla Sofia luz