Concentrações de protesto, grafítis e cartazes: vários atos de manifestação contra a Jornada Mundial da Juventude (JMJ), a Igreja Católica e o Governo começam a aparecer em Lisboa. Os organizadores criticam a “hipocrisia” da Igreja.
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À medida que se aproxima a data do início da Jornada Mundial da Juventude, que se realiza de 1 a 6 de agosto em Lisboa, vários indivíduos começaram a expressar a sua indignação com o evento.
Vários grafítis “anti-JMJ” têm aparecido em diferentes locais da cidade de Lisboa. Muitos remetem para os casos de abusos sexuais levados a cabo por membros da Igreja Católica portuguesa, enquanto outros se focam na crise da habitação, mas todos têm como mote a indignação para com (os gastos) da JMJ.
Os grafítis encontram-se em paragens de autocarro ou junto a estações de metro e comboio, locais tipicamente muito movimentados. Como na estação de comboios de Entrecampos, onde esta sexta-feira podia ler-se pintado a vermelho: “Igreja, Estado e Capital Associação Criminosa”.
Na estação de metro do Campo Grande, uma outra inscrição dizia: “Explorai os presos Amen! #JMJ”, fazendo referência aos reclusos das prisões de Coimbra, Paços de Ferreira e Porto que trabalharam na construção dos confessionários para o evento.
Mais casos foram partilhados na rede social Twitter, com o hashtag “#JMJ”, “#Lisboa2023”. Como numa paragem de autocarro, onde se lê “4800 crianças abusadas #JMJ23”.
Também se pode ler “Livrai-nos dos pobres Amen! #JMJ #Lisboa2023”, em referência às tendas de sem-abrigo que terão sido removidas das ruas de Lisboa, mas que o autarca da capital garantiu ser uma operação "normal" de limpeza de uma avenida da cidade.
Alegadamente, um grafíti pintado na Avenida Almirante Reis - que dizia “Ainda antes do Papa vir já eu rezava por um quarto aqui!” - terá sido apagado, mas um outro surgiu mais tarde no mesmo local onde se pode ler “Os 4800 abusos sexuais não são tão fáceis de apagar”.
Questionada pelo JN esta tarde, fonte da PSP afirmou que não tinha conhecimento destes graffitis.
Papeís ironizam com JMJ
Jundo de alguns destes grafítis, encontram-se colocados nas paredes papeís com o logotipo da JMJ, com o título “A caminho da JMJ 2023 – Queres participar nas jornadas?”.
Há três pequenos cartazes com mensagens diferentes. Um diz “deverias saber que a Igreja, com a cumplicidade da Direção Geral dos Serviços Prisionais, usou o trabalho escravo das pessoas presas em Portugal para a construção dos confessionários para estas jornadas”.
Outro fala sobre os abusos sexuais da Igreja “com o silêncio cúmplice do Estado”, classificando de hipocrisia o facto de se estar a realizar um evento para jovens com o financiamento da Câmara Municipal de Lisboa (CML). O outro fala sobre o “despejo” dos sem abrigo, enquanto "as portas das estações do Metro de Lisboa estarão abertas para acolher os peregrinos durante a noite", o que não corresponde à verdade. O Metro decidiu apenas ceder temporariamente alguns espaços "sem uso" onde os peregrinos poderão pernoitar.
Concentração “Sem PAPAs na Língua”
Em paralelo, o grupo autónomo “Sem PAPAs na Língua planeia uma concentração para o dia 4 de agosto, às 19 horas, no Martim Moniz.
Apelam à insubmissão e afirmam que não se esquecem dos atos da Igreja Católica portuguesa.
O manifesto do grupo explica que não se esquecem do “papel da igreja no aprisonamento de pessoas, em conjunto com o Estado”, ao criarem “um castigo aparentemente moral” . Insurgem-se contra o que chamam de “trabalho escravo com reclusos” para a contrução dos confessionários da JMJ e afirmam que os reclusos receberam “2 a 3€ por dia, ou cêntimos”.
Afirmam ainda estarem cientes de que a ideia “de uma suposta ameaça da ideologia de género, que [a Igreja] consideram contrária aos desígnios de Deus”, “não passam de uma cultura ocidental assente na hegemonia da masculinidade branca”, algo que o Papa, no ínicio de 2023, disse ser “a mais perigosa das colonizações ideológicas”. Sobre as colonizações ideológicas, o grupo repudia os vestigios que a Inquisição deixou na sociedade, ao considerar casos de “métodos de tortura psicológica, como são exemplo as terapias de conversão sexual”. Adicionam que a “igreja católica é inerentemente patriarcal e víncula, assim, estruturas binárias de género”.
Condenam a Igreja por submeter a mulher a “um papel inferior” e “condenar a prática do aborto”, visto que, em 2021, o Papa Francisco referiu-se publicamente a este procedimento médico, considerando-o um “homícidio”. Estudos apontam para quase 50 mil mortes de mulheres por abortos inseguros em regiões onde o procedimento é ilegal.
O grupo afirma revoltar-se contra a “tradição histórica de abusos sexuais a menores por parte da igreja”, mencionando os mais de 4800 casos de abusos sexais de menores nos últimos 70 anos em Portugal. Afirmam que as vítimas “foram e são continuamente silenciadas pela cultura secretista presente na igreja e por superiores hierárquicos”.
Por fim, afirmam não se esquecerem do apoio de “pelo menos 40,2 milhões de euros” da CML, enquanto “as pessoas continuam sem habitação digna e os pobres continuam pobres, a dormir nas ruas”, acrescentando que “o dinheiro não é um problema, mas sim os pobres”.
Apelam ao “atrevimento, à insubmissão e à insurreição”, afirmando que têm “raiva desta hipocrisia” e que as pessoas não podem deixar que “estas estruturas continuem a tomar conta das vidas, corpos e espaços” do povo.