Sara (nome fictício) prepara-se para ter a segunda filha no Hospital de São Bernardo e espera não se cruzar com Artur Carvalho na sala de partos, com quem teve uma má experiência durante o nascimento da primeira filha. Em agosto de 2018, entrou naquele hospital com uma rutura da placenta e a filha só nasceu 31 horas depois.
Corpo do artigo
O obstetra Artur Carvalho entrou ao serviço quando Sara já estava há 15 horas na sala de observações à espera das contrações, mas, de acordo com a própria, nem sequer a foi ver "durante as dez horas que lá esteve". Só quando foi substituído é que Sara recebeu medicação para indução do parto. "A médica dirigiu-se a mim e perguntou porque é que ainda lá estava e porque é que o parto ainda não tinha sido induzido."
11422290
O bebé estava já sem líquido amniótico e, assim que nasceu, sofreu uma braquicardia. "Ninguém me consegue garantir que a minha filha correu risco de vida por causa disso, mas acredito que podia ter sido evitado se o médico tivesse tido a mínima atenção comigo", conta Sara.
Antibióticos sem análises
Este não foi o único episódio entre Sara, 32 anos, e Artur Carvalho. Meses antes do nascimento da primeira filha, sentiu dores e dirigiu-se à urgência, onde foi atendida pelo obstetra. "Sem me fazer análises, receitou-me antibióticos contra uma infeção urinária e quase me desrespeitou quando perguntei se era mesmo necessário", conta. Não tomou os medicamentos e esperou que o médico que a acompanhava regressasse, que disse que " não era necessário tomar antibióticos".
O último encontro foi há uma semana na Eco Sado, onde fez a última ecografia da segunda filha. "Foi dias depois do que aconteceu com o bebé Rodrigo e ele estava bem-disposto", conta Sara que questiona o porquê de tanto contentamento. A ecografia também não correu bem. "Foi a assistente que o teve de lembrar de ver como estava a minha placenta. Simplesmente, passou isso à frente".
Ordem avalia suspensão preventiva de obstetra
O bastonário da Ordem dos Médicos (OM) pediu ao Conselho Disciplinar do Sul da OM que inquira com urgência o médico Artur Carvalho para avaliar se se justifica a suspensão preventiva do obstetra que não detetou nas ecografias malformações graves no bebé que nasceu sem nariz, olhos e parte do crânio. Afinal, o clínico não tem quatro, mas cinco processos na Ordem, precisou Miguel Guimarães, e nenhum deles está relacionado com este caso. O bastonário vai pedir a abertura de mais um processo disciplinar.
Frisando que o Conselho Disciplinar da OM é um órgão independente, sobre o qual não tem quaisquer poderes, Miguel Guimarães realçou que perante a gravidade do caso, em que "potencialmente pode ter existido uma falha grave", decidiu tomar uma medida inédita no seu mandato, usando a posição de bastonário para forçar o órgão disciplinar da OM a agir com celeridade.
Em conferência de Imprensa, depois de o Ministério da Saúde ter solicitado esclarecimentos à OM, Miguel Guimarães pediu que "não se confunda a árvore com a floresta", realçando que os obstetras portugueses são dos mais bem formados do Mundo.
O caso do bebé Rodrigo está a indignar a sociedade civil e a comunidade médica porque há um entendimento quase unânime de que as malformações em causa não passam despercebidas em ecografias. O bebé nasceu no dia 7 no Centro Hospitalar de Setúbal (CHS) deixando em choque família e profissionais de saúde.
Respira sozinho e bebe leite
Na sexta-feira, apesar do prognóstico reservado, mantinha-se a respirar sozinho e a ser alimentado por biberão, contou ao JN a madrinha do bebé. Segundo Vânia Contente, os pais de Rodrigo e Artur Carvalho, que também trabalha no hospital, cruzaram-se no bar, mas não houve troca de palavras.
Durante a gravidez, a mãe de Rodrigo fez três ecografias numa clínica privada com Artur Carvalho, que disse sempre que estava tudo bem, segundo Tânia Contente. A madrinha de Rodrigo tem sido incentivada a falar até pelos profissionais do hospital porque "os problemas com o clínico têm sido muitos". O obstetra chegou a ser alertado pelos pais para eventuais malformações, detetadas numa ecografia 5D noutra clínica privada, mas manteve a posição.
Na quinta-feira, a Procuradoria-Geral da República (PGR) anunciou a abertura de um inquérito ao caso, que corre termos no DIAP de Setúbal. O JN noticiou, ontem, por lapso, que esta informação tinha como fonte a OM e não a PGR. O obstetra já foi investigado num caso semelhante de uma bebé que nasceu, em 2011, no Hospital Amadora-Sintra sem queixo e com as pernas ao contrário, mas o processo na Justiça foi arquivado. Na altura, o médico tinha dois processos disciplinares na OM que, soube-se ontem, foram arquivados. Dos processos em curso, o mais antigo é de 2013.
O caso de Rodrigo inflamou os fóruns de discussão de mães na Internet e têm surgido relatos que põem em causa a competência e ética do médico. Há quem diga que era conhecido por "Dr. Cinco Minutos" devido ao tempo que dedicava às ecografias obstétricas.
Ontem, a clínica setubalense Eco Sado, onde o médico exerce, não recebeu grávidas para consultas nem há previsão que o faça durante a próxima semana. O JN tentou, sem sucesso, contactar a gerência da clínica. Entretanto, o CHS abriu um inquérito ao parto e garantiu que o clínico em causa não faz ecografias no hospital, nem tem cargos de chefia.