Pouco mais de uma semana após a Câmara de Lisboa anunciar fortes restrições ao trânsito no núcleo histórico da capital, já corre uma petição na Internet contra o projeto. Alega que vai "arrasar o comércio" e há o perigo de tornar a zona num "parque de diversões". Há também quem fale na "criação de um gueto".
Corpo do artigo
Lisboa segue a tendência europeia de afastar o trânsito automóvel do centro, nomeadamente de cidades como Oslo, Madrid, Paris, Barcelona, Londres e Estocolmo, entre outras. À primeira vista, a criação da nova Zona de Emissões Reduzidas Avenida Baixa Chiado (ZER ABC) agrada à maioria, mas a forma como será implementada gerou de imediato contestação. Há quem receie que seja mais uma forma de gentrificação e que afaste as pessoas do comércio. E até um autarca socialista que, apesar de genericamente concordar com o plano, considera "impensável" a criação de um "gueto" no Castelo e em Alfama.
Chegar de carro à nova ZER, no centro de Lisboa, vai ser proibido para a maioria dos condutores a partir de agosto. O trânsito que se estende do Rossio à Praça do Comércio e da Rua do Alecrim à Rua da Madalena passará a ser exclusivo para residentes, portadores de dístico e veículos autorizados, entre as 6.30 horas e a meia-noite. Mas a prometida "revolução" não é consensual, levando alguns a recearem uma "gentrificação" desta parte da capital.
Petição já com mais de 4000 assinaturas
Logo após a apresentação do plano, há uma semana, a oposição na Câmara de Lisboa reagiu, com o PSD a considerar que a proposta "gentrifica" parte da cidade, o CDS criticou "as imposições e restrições aos cidadãos" e o BE e o PCP mostraram-se preocupados com uma possível exclusão de outras zonas da cidade, tanto ou mais poluídas. Foi também lançada uma petição, já com mais de 3000 assinaturas, a criticar o plano. Os autores argumentam que "vai arrasar o comércio na Baixa e Centro Histórico e transformar num parque de diversões uma cidade para se viver e trabalhar".
As nova ZER vão abranger uma grande parte das freguesias de Santa Maria Maior, Misericórdia e Santo António. A circulação automóvel será proibida em algumas ruas destas localidades, obrigando os carros a optarem por outras vias, uma medida que, para o presidente da Junta de Santa Maria Maior, Miguel Coelho, precisa de mais esclarecimento. "A ideia de a Rua da Madalena se tornar uma via de atravessamento preocupa-me", admite. O autarca socialista aplaude a ideia da redução de automóveis, mas tem dúvidas quanto ao projeto.
Será o fim do Mundo! Mais ninguém terá sossego à noite
"Temos carros a mais e alguma coisa tem de ser feita, mas há um conjunto de detalhes que tem de ser discutido", diz ao JN Urbano. Para Miguel Coelho, os moradores "têm de ter o direito de circular livremente pela freguesia". "A ideia de que vamos criar um gueto na Baixa, no Castelo e em Alfama, porque não se pode atravessar Santa Maria Maior, é impensável", critica. Quanto às cargas e descargas passarem a ser condicionadas ao horário entre a meia-noite e as 6.30 horas, antecipa o pior. "Será o fim do Mundo! Mais ninguém terá sossego à noite", prevê.
A presidente da Junta de Freguesia da Misericórdia, Carla Madeira, elogia o projeto, mas reconhece que poderão "existir alguns ajustes". "Vamos ouvir as pessoas. Pode haver alguma situação que não esteja pensada e a população nos elucide", frisa.
As restrições ao trânsito na Baixa terão, porém, algumas exceções, que agradam a alguns. Os carros TVDE (Transporte Individual de Passageiros em Veículo Descaraterizado), como a Uber e a Bolt, desde que sejam elétricos, terão acesso livre. A Bolt considera esta medida "natural", uma vez que "as cidades estão a evoluir e a tornar-se mais sustentáveis".
O Automóvel Club de Portugal (ACP) também reconhece "virtudes" na proposta, nomeadamente a "redução das emissões poluentes", mas critica a Autarquia por, "nos últimos dez anos, nada ter feito para fiscalizar e reduzir as emissões nas ZER já existentes".
"Este projeto afigura-se como mais uma obra de embelezamento avulsa sem ter em conta a mobilidade integrada que se deseja numa grande cidade", ataca.
Porto aposta na redução de CO2
O ACP quer saber ainda qual a "oferta real de estacionamento livre e não comprometida com a procura turística/imobiliária nos parques subterrâneos existentes na ZER" e lamenta desconhecer "qualquer estudo de mobilidade que sustente a atual opção política do alargamento das ZER". Questiona ainda qual a justificação para a proibição de TVDE que não sejam elétricos e quais as "soluções para a garantia da circulação de viaturas de emergência no acesso ao Hospital de São José".
No Porto, não há, para já, um plano tão restritivo, mas fonte da Câmara garante que há "centenas de iniciativas há vários anos" para reduzir as emissões de CO2.´ Recorda que já há zonas de acesso automóvel condicionado, alargadas o ano passado a várias ruas do centro da cidade, mas também tem investido nos transportes públicos, com a renovação da frota de autocarros do STCP, por exemplo