Há 39 pedidos de indemnização por abusos sexuais na Igreja. Maioria é de homens
O Grupo Vita, que apresentou esta terça-feira o segundo relatório de atividades, recebeu 39 pedidos de compensações financeiras num ano. Enviou ainda 66 denúncias às estruturas eclesiásticas, das quais 43 às comissões diocesanas, e 24 ao Ministério Público. Maioria dos crimes acontecia no confessionário.
Corpo do artigo
Durante o primeiro ano de funcionamento, chegaram ao Grupo Vita 39 pedidos de compensação financeira, maioritariamente do sexo masculino (72%), mas este número deverá aumentar, uma vez que “nem todas as vítimas formalizaram ainda o pedido”, refere o relatório da atividade desenvolvida, no último ano, pela estrutura criada para apoiar vítimas de abusos sexuais.
Rute Agulhas, coordenadora do grupo Vita, esclareceu ao JN que há pedidos que foram feitos "por pessoas que ainda não foram atendidas pelo grupo Vita" e que "há outras que durante o atendimento dizem que não querem apoio financeiro, mas depois pedem". Em breve, a Conferência Episcopal Portuguesa (CEP) irá apresentar a forma como o processo de atribuição da compensação financeira irá decorrer.
Durante a apresentação, em Fátima, Rute Agulhas disse que o número de compensações financeiras chegam de vítimas “já acompanhadas pelo grupo Vita”, mas também de “um número mais residual de algumas pessoas que nos contactaram mais recentemente”. “Relativamente a este tema, sentimos uma enorme ambivalência, temos pessoas que nos dizem que isto (indemnização) não é o caminho, que não há dinheiro no mundo que possa de alguma forma reparar aquilo que eu vivi, mas que algumas semanas ou meses depois nos contactam a dizer que se calhar poderia ajudar e acabam por pedir para fazer parte deste grupo. Também temos pessoas que já nos disseram que queriam e que depois dizem que afinal não vale a pena e desistem deste processo”. As comissões diocesanas ainda não revelaram quantos pedidos de indemnização receberam. "Desconhecemos o número que chegaram às comissões diocesanas", referiu a coordenadora.
A estrutura liderada por Rute Agulhas enviou 66 situações de abusos sexuais às estruturas eclesiásticas (Dioceses, Institutos de Vida Consagrada e Sociedades de Vida Apostólica e a Nunciatura), das quais 43 às comissões diocesanas. Ao Ministério Público e à Polícia Judiciária foram remetidas apenas 24, pois estas não incluem suspeitos falecidos ou casos em que já decorreu o processo judicial. A maioria das 43 situações reportadas às 21 comissões diocesanas aconteceram no Porto (9), Lisboa (8) e Braga (7), seguindo-se Guarda (5), Funchal (3), Leiria-Fátima (2), Coimbra (2) e Vila Real (2). Às dioceses de Lamego, Aveiro, Setúbal, Portalegre-Castelo Branco e Évora foi reportada uma situação a cada uma.
Durante o último ano, o grupo Vita recebeu 485 chamadas, das quais apenas 105 (de vítimas) e outra de um leigo correspondiam a situações de abusos sexuais no contexto da Igreja. Realizou depois 64 atendimentos, os mesmos desde o último relatório apresentado em dezembro, e, destes, 58 atendimentos individualizados para recolha detalhada de informação. A maioria das vítimas, todas portuguesas, é do sexo masculino (60.3%) e a idade atual varia entre os 19 e os 75 anos, sendo a média de idades de 53,8 anos. Em 33% dos casos, as vítimas reportam situações de violência ocorridas nas décadas de 60 e 80 do século passado, mantendo-se uma redução nas décadas de 70 (11,19%) e de 90 (12,1%), bem como a partir do ano 2000 e até ao presente (13.7%).
“Casa do padre”
O relatório revela ainda que "a quase totalidade das vítimas referiu que o agressor era do sexo masculino (98,3%) e sacerdote (91,4%), tendo apenas uma vítima reportado ter sido sexualmente abusada por uma pessoa do sexo feminino." Apenas cinco vítimas identificaram uma pessoa leiga, embora no contexto da Igreja (como catequista ou seminarista, por exemplo). A maioria dos crimes acontecia na Igreja (32,8%), sobretudo no confessionário, seguido da sacristia. Segundo o relatório, “para 16 vítimas, as situações abusivas ocorreram na casa do padre, no seu carro, no seu gabinete, na sua casa de férias ou na casa paroquial e para sete vítimas os comportamentos abusivos ocorreram no seminário”. Os abusos sexuais aconteciam ainda em instituições (20,9%). Neste segundo relatório, a percentagem de vítimas que, à data dos alegados factos, se encontravam a residir em instituição é maior (31%) do que no primeiro (18%).
Os comportamentos mais frequentemente reportados são “os toques/carícias em outras zonas erógenas do corpo e /ou beijos nas mesmas zonas (53.4%) e a manipulação dos órgãos genitais (34.5%)”. Seguem-se as conversas com conteúdo sexualizado, o sexo oral, anal ou vaginal da pessoa que comete o abuso para com a vítima e a masturbação. Em termos de duração da situação abusiva, “31% das vítimas referem que esta ocorreu durante um ano ou mais”. Na quase totalidade das situações (91.4%), a pessoa que cometeu a violência não reconheceu a agressão e não pediu desculpa.
A maior parte das situações aconteceu na região Norte (23), seguida de Lisboa e Vale do Tejo (15) e do centro do país (14). Três situações ocorreram na ilha da Madeira, uma no Alentejo, uma nos Açores, existindo ainda uma situação de vitimização sexual ocorrida em Moçambique, refere o documento.
A idade mais prevalente de ocorrência da situação abusiva situa-se, neste segundo relatório, nos 11 anos (e não nos sete, como no primeiro). Grande parte ocorreu, contudo, entre os cinco e os 12 anos de idade. De notar que, numa análise por sexo, são mais as vítimas do sexo masculino de 11 anos, do que as do sexo feminino.
“Ameaças de morte”
A estrutura criada para apoiar vítimas de abusos sexuais na Igreja católica refere também que “uma percentagem significativa das vítimas, aproximadamente 40%, só agora revelaram a situação abusiva, sendo que 21% destas revelaram-na pela primeira vez ao grupo Vita”. Na sua maioria, "não foi apresentada denúncia pela vítima ou por outra pessoa às estruturas da igreja (81%), nem à polícia nem ao Ministério Público (86.2%)".
As 58 vítimas, que descreveram a forma como foram aliciadas pelo agressor, dizem que eram ameaçadas de que “os pais iam morrer ou que iriam para o inferno”. As vítimas partilharam ainda que os alegados agressores diziam “não vais andar a dizer porque não se diz, falar é muito feio, se contares, Deus não perdoa os teus pecados” ou “fazia o gesto de silêncio com os dedos na boca” para “garantir o segredo”.
Nos motivos para a não revelação à data dos factos (37.9% só revelou mais tarde e 39.7% somente agora) esteve sobretudo “o medo mais generalizado (46.6%), o medo de não ser acreditado (36.2%) e o medo das possíveis consequências (22.4%)”. A maioria das vítimas (60.3%) revela ter sentido vergonha e cerca de um terço refere sentimentos de culpa (34.5%). “Não era possível revelar naquela altura, aprendíamos que se obedecia ao padre” e “30 anos mais tarde revelei a situação a um bispo, que desvalorizou e ignorou”, relataram algumas ao grupo Vita.
Apoio psicológico
As vítimas foram encaminhadas para apoio psicológico regular (23), psiquiátrico (5), social (5), jurídico (1), financeiro (39) e espiritual (1), estando as consultas de psicologia e de psiquiatria a serem asseguradas pela bolsa de profissionais constituída pelo Grupo Vita e os custos suportados pelas dioceses e Institutos de Vida Consagrada e Sociedades de Vida Apostólica. O Grupo Vita encaminhou ainda um leigo para apoio psicológico.
Ao longo do primeiro ano de funcionamento, cerca de 1700 pessoas tiveram ações de sensibilização e formação e realizaram-se 19 ações dirigidas a estruturas da Igreja Católica. Este ano, o grupo Vita iniciou um roteiro pelas dioceses, tendo até agora passado por Évora, onde formou cerca de 460 pessoas (padres, diáconos, agentes pastorais e elementos de IPSS católicas) e por Vila Real, onde chegou a 40 (padres).
O próximo relatório do Grupo Vita será apresentado a 26 de novembro.