Um estudo levado a cabo por arqueólogos, entre os quais dois portugueses, na gruta da Figueira Brava, na serra da Arrábida, encontrou indícios da dieta dos nossos antepassados há 90 mil anos. E há revelações surpreendentes.
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Uma investigação na Gruta da Figueira Brava, na serra da Arrábida, em Sesimbra, encontrou novas provas sobre a dieta dos neandertais: assavam caranguejos de grandes dimensões, como sapateiras, para comer. O estudo, assinado pelos arqueólogos Mariana Nabais, do Instituto Catalão de Paleoecologia Humana e Evolução Social, Catherine Dupont, da universidade francesa de Rennes, e João Zilhão, do Centro de Arqueologia da Universidade de Lisboa, foi publicado recentemente pela revista "Frontiers in Environmental Archaeology".
No artigo "A exploração de caranguejos pelos últimos neandertais ibéricos interglaciais: as evidências da Gruta da Figueira Brava (Portugal)", publicado em fevereiro na "Frontiers in Environmental Archaeology", os investigadores revelam que, a par com ferramentas de pedra e carvão, encontraram ricos depósitos de conchas e ossos que mostram que, há 90 mil anos, os neandertais cozinhavam e comiam caranguejos, nomeadamente Cancer paguros, de grandes dimensões. Entre o material recuperado encontram-se restos de "espécies de caranguejos e equinodermos", que foram "assados em brasas e depois abertos para se aceder à carne". A equipa descobriu que os caranguejos eram, na sua maioria, adultos grandes, com "largura média de carapaça de 16 centímetros", devendo render cerca de 200 gramas de carne.
Dieta altamente variada
Num outro estudo, publicado em 2020 na revista "Science", já era dada indicação da dieta neandertal encontrada naquela gruta. "Não se trata apenas do consumo de sapateiras, mas também outros recursos marinhos como lapas e mexilhões, peixes, além de animais terrestres como veados, auroques e cabras", explica Mariana Nabais ao JN. "No Portinho da Arrábida pode-se perceber que o homem de Neandertal tinha uma dieta altamente variada, que incluía alimentos animais e também vegetais, porque também temos evidências de consumo de pinhão", acrescenta.
Este novo trabalho prova que "comportamentos complexos, que normalmente são atribuídos ao homo sapiens, existem já no homem Neandertal". Os neandertais "conheceriam o comportamento das sapateiras e a melhor época para as caçar, que seria quando se estão a reproduzir e vêm mais para a costa. Também teriam conhecimento das marés e esperariam pelas marés baixas, que fariam com que as sapateiras ficassem presas em pequenas poças do litoral", detalha Mariana Nabais, explicando que atualmente o mar toca na gruta mas, há 90 mil anos, "estaria a cerca de 1,5 a dois quilómetros de distância". Isto tem "implicações cognitivas e de comportamentos complexos que foram sempre atribuídos ao homo sapiens, mas agora verificamos nos neandertais".
Gruta selada preservou vestígios
A escavação foi realizada entre 2010 e 2013, numa câmara da gruta onde a junção de estalactites e estalagmites criou uma parede que selou a sala do exterior, mantendo apenas um acesso exíguo através de um túnel. Isto ajudou à preservação dos vestígios, que têm vindo a ser analisados com rigor.
Para o estudo agora publicado, os investigadores analisaram os restos de caranguejo e de outras espécies marinhas, certificando-se que as fraturas ou cortes podem ser datados com o registo Neandertal. Ao estudarem os padrões de dano nas conchas e garras, puderam descartar o envolvimento de outros predadores, pois não havia carnívoros ou marcas de roedores, e os padrões de quebra não refletiam predação por pássaros.
Segundo Mariana Nabais, ainda há mais para descobrir nas grutas portuguesas. Há trabalhos de outros investigadores que "começam a dar dados muito importantes do comportamento complexo dos neandertais", nomeadamente na gruta da Oliveira, nas serras de Aires e Candeeiros, e na do Caldeirão, perto de Tomar. "Há cada vez mais indícios, em Portugal e em Espanha, de que as populações neandertais existiriam principalmente no sul da Europa e não tanto no centro e norte, como se pensava antigamente, e de que já apresentavam traços modernos, comparáveis ao homo sapiens".