Os últimos anos ficaram marcados pelo crescimento do número de hortas urbanas espalhadas de norte a sul do país. Os meios urbanos abriram as portas a estes pequenos espaços de cultivo biológico e a adesão tem sido tal que até suscita listas de espera.
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"Olha só o tamanho destas alfaces! Plantei tantas que dei mais de 2000 a familiares e amigos". "E estes tomates coração de boi, já os viste bem?". "Só isso e as framboesas têm sido o meu lanche todos os dias". Podiam ser diálogos escutados num campo agrícola numa qualquer zona rural do país. Mas, não, ouviu-os o JN Urbano na freguesia de Campanhã, das maiores do Porto, mais de 30 mil habitantes, em plena Horta da Oliveira, uma das 13 hortas municipais espalhadas pela cidade, num projeto conjunto que envolve também a Lipor - Serviço Intermunicipalizado de Gestão de Resíduos do Grande Porto. Gilberto Branco, Fernando Barrias, Fernando Monteiro, Manuel Carvalho e José Ilídio Pinto trocam impressões sobre o que produzem. De legumes a frutos silvestres, de flores a tubérculos, quase tudo ali nasce graças ao trabalho e dedicação destes cidadãos reformados que encontraram no horto uma nova forma de encarar a vida.
"Mantém-nos ocupados e cria espírito de família. Além de consumirmos o que plantamos, com outra qualidade, bem superior ao que se compra nos supermercados", garantem sem ponta de hesitação.
Quase escondida entre prédios e uma escola básica, a Horta da Oliveira conta com 80 talhões individuais, todos ocupados por moradores locais e espalhados por uma área de 4173 metros quadrados. A utilização é gratuita. A Autarquia disponibiliza o espaço, a distribuição de água, postos de compostagem por cada um dos talhões, armazéns para guardar o material, sendo este o único da responsabilidade particular de cada um dos "agricultores".
"A ideia é promovermos uma lógica de agricultura biológica circular, sem utilização de produtos químicos, chamando a atenção para o bom uso da água. O único adubo natural utilizado é produzido com resíduos orgânicos da cidade", explica Filipe Araújo, vice-presidente da Câmara Municipal do Porto e responsável pelo pelouro da Inovação e Ambiente. "A procura tem sido imensa em todas as hortas municipais. Tanto assim é que existem listas de espera intermináveis", garante. Prova disso mesmo é que a da Horta da Oliveira vai ser ampliada em breve e passará a contar com 19 novos talhões.
Tudo somado, o Porto conta atualmente com 177 talhões municipais, a que se juntam outros 331 de instituições privadas, num total de 8275 metros quadrados de área cultivada. As inscrições são feitas através de um formulário disponibilizado pelo Município. Depois, é apenas necessário frequentar um pequeno curso sobre boas práticas agrícolas e o talhão atribuído pode ser utilizado. Sem limite de horário, a qualquer dia da semana e sem restrições em relação ao que lá pode ser plantado.
O número total oficial de hortas comunitárias em Portugal é desconhecido. O único levantamento realizado nesse sentido foi levado a cabo pela ZERO - Associação Sistema Terrestre Sustentável. Contabilizou 63 municípios que asseguram este tipo de alternativa biológica. "É uma atividade que desde há uma década tem vindo a ser muito valorizada socialmente, em particular nas áreas urbanas. A agricultura já é vista como complementar", assinala Paulo Lucas, vogal da ZERO e responsável pela coordenação do estudo. "As hortas comunitárias são fundamentais para construir circuitos agroalimentares, além de contribuírem para o bem-estar físico e, até, espiritual", sublinha.
Alimentos de proximidade
Paulo Lucas acredita que o conceito pode ir mesmo mais além e acrescentar à componente lúdica de produção individual um objetivo social e ecológico. "Precisamos de produzir alimentos de proximidade para evitar os habituais circuitos de distribuição, os quais têm um brutal impacto ambiental. E as hortas dinamizadas por particulares podem ter um papel importante nesse sentido". Como? A resposta surge pronta: "Criando contratos sociais entre os municípios e agricultores locais", defende o dirigente da ZERO. Uma espécie de pacto com os utilizadores das hortas municipais que "pode resultar no fornecimento de cantinas escolares e outros equipamentos públicos".
Significativo é o facto de praticamente todas as cidades mais populosas contarem com hortas municipais. Lisboa, por exemplo, conta com 21 espalhadas por 9,5 hectares destinados exclusivamente a produção agrícola. Sintra tem reservados 157 talhões, Oeiras 171.
No Grande Porto, nasceu em Gaia uma Rede Municipal de Hortas Urbanas. A Maia seguiu o mesmo caminho, assim como Gondomar. Em Matosinhos, há nove, como a de Picoutos, onde é assídua Iza Barbosa. "Um local que dá saúde e incentiva a cooperação", define esta aposentada professora de História.
Uma definição que encaixa no que as hortas comunitárias promovem de norte a sul de Portugal. Espaços que crescem ao nível do entusiasmo que geram.