Preço elevado das casas, pandemia ou combate à solidão dos idosos são algumas das principais razões de quem toma esta opção.
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O elevado preço das casas no mercado de arrendamento, a pandemia ou apenas o gosto pelo contacto com a natureza, num ambiente calmo e longe da cidade, são os motivos para que cada vez mais pessoas optem por viver em parques de campismo. A legislação não permite residencialismo nos parques, considerados estabelecimentos turísticos, mas, com a falta de campistas devido à covid-19, esta solução existe um pouco por todo o país.
"Os clubes de campismo estão atentos a essa situação, razão por que, a partir deste mês, em caso de dúvida, é exigida certidão de residência da Autoridade Tributária a quem pretende acampar", afirmou, ao JN, João Queiroz, presidente da Federação de Campismo e Montanhismo de Portugal.
Idosos e casais jovens com fracos recursos são quem mais procura viver em parques de campismo. Em Vila do Conde, é possível alugar uma "residência" por 100 euros/mês, com água e luz incluídas (ver reportagem). Mas há preços mais baixos e mais altos. E há ofertas em sites de imobiliárias, como o caso do bangalô com três quartos, uma casa de banho, sala e cozinha, disponível num "resort de campismo" em Alfragide, por 550 euros. Quem opta por esta modalidade tem acesso à piscina, campo de ténis, campo de minigolfe, restaurante e lavandaria.
É assim numa grande maioria de parques, embora, como ficou patente nos contactos feitos pelo JN, nenhum operador o tenha reconhecido abertamente. No Algarve, professores dividem espaço com turistas. Colocados em escolas longe de casa e em cidades com valores de rendas inflacionados, muitos optam por residir no campismo. Em Monsanto, há quase dois anos, o parque recebeu quatro dezenas de presos como medida de proteção para evitar o contágio por covid-19 numa cadeia. Nessa altura, já lá estavam três dezenas de profissionais de saúde e elementos da Proteção Civil Municipal e dos bombeiros.
concessão em gaia
Em Gaia, a situação levou a Câmara a intervir. A Autarquia não renovou a concessão do Parque da Madalena à Orbitur, alegando, entre outros motivos, o facto de haver pessoas a terem ali a sua primeira habitação. "Não faz qualquer sentido que um parque de campismo tenha mais habitantes permanentes do que campistas", afirmou Eduardo Vítor Rodrigues, presidente da Câmara.
Isaura e José Costa vivem ali há cinco anos. "Com a nossa idade, não existe qualquer hipótese de financiamento para comprar ou até mesmo arrendar uma casa com os preços que são praticados", afirmou a residente ao JN, explicando que no Parque da Madalena vivem outras pessoas "com grandes carências económicas".
Contactada, a Orbitur explica que "o regulamento interno dos parques geridos pelo grupo proíbe a utilização como residência". Permite-se, isso sim, a fixação de equipamento de campismo e caravanismo enquanto equipamento de lazer no regime de contratação mensal de ocupação de espaço possibilitando longas permanências. Com o fim da concessão, os campistas já foram informados que têm de sair.
Sendo um parque classificado como unidade hoteleira, a situação da Madalena é diferente dos parques de campismo associativos. "Os clubes são pertença dos associados, têm enquadramento legal próprio e os estatutos exigem, implícita ou explicitamente, a prática de um companheirismo solidário", refere João Queiroz. Por isso, "ao abrigo desses princípios e valores", os parques ancorados na federação "adotaram uma política de proximidade com os utentes, permitindo o uso destes equipamentos ao longo do ano".
Este procedimento surge, explica João Queiroz, "como resposta ao isolamento dos mais idosos, sendo uma medida contra a solidão e de apoio àqueles cuja limitada mobilidade já não permite fácil acesso às suas residências, na maioria dos casos, em bairros degradados e habitações sem elevador". Esses idosos encontram-se "com os seus familiares, normalmente na época do Natal, altura em que a generalidade dos parques de campismo encerram para férias dos seus profissionais".
A prática "não pode ser interpretada como residência fixa" mas antes um refúgio, diz o responsável. O ator Vítor Norte, por exemplo, passa longas temporadas na rulote e no avançado que tem em Monsanto. É naquele "sossego" que estuda os seus papéis.
Viver em família num "paraíso"
Têm água, luz, televisão, Internet e todas as "modernices" de uma casa "normal". Vivem num enorme espaço verde em pleno pinhal. Duas piscinas, campos de ténis e de futebol, parque infantil, café, supermercado, quiosque. Estão no campo, em cima da praia, num "gigante condomínio fechado", onde há sempre um médico, um canalizador ou um mecânico na vizinhança. Moram no parque de campismo de Árvore, Vila do Conde, propriedade do Clube Nacional de Montanhismo (CNM). É "bom e barato" e, por isso, a opção atrai cada vez mais adeptos.
A pandemia e o recente anúncio do encerramento do parque da Madalena, em Gaia, fizeram crescer a procura. "É uma vida sossegada, boa, muito saudável. Há muita camaradagem. É quase uma família", diz, sem hesitar, Piedade Ribeiro. Aos 74 anos, vive no parque há 30. Começou com uma "casinha" de fim de semana, há quase meio século, num dos pré-fabricados. Depois, o marido teve um acidente, a casa em Águas Santas (Maia) "tinha muitas escadas" e foram-se "mudando". Hoje, Piedade explora o quiosque do parque vai para 28 anos.
"Continuo a manter a minha casa, mas acredite que não me sinto bem. Estou lá dois dias e venho embora. É aqui que me sinto em família", diz, olhando José, o coordenador do departamento de Campismo do CNM, que conhece desde "menino".
O parque, inaugurado há 50 anos, tem hoje nove hectares e 984 lugares. Ali, há terceiras e até quartas gerações e a de José é uma delas: avós, pais, filhos e netos "nasceram ali". Não há fim de semana nenhum que não venham. Nos últimos anos, muitas segundas casas passaram a primeiras e há, agora, cada vez mais residentes e mais jovens.
"Temos cerca de 280 a 300 pessoas a residir no parque. O número aumentou com a pandemia. Por fatores económicos e também por estarem a residir em apartamentos e aqui terem uma certa liberdade", explica Luís Vasconcelos, o presidente do CNM. "Temos jovens, que estudam no Porto ou em Vila do Conde e vivem aqui. É mais barato do que alugar um quarto", acrescentou, explicando que uma casa pré-fabricada "paga, em média, cerca de 100 euros por mês" com água e luz incluída (10 euros/ano por m2).
O espaço para tendas é "residual" e a maioria das rulotes está ali estacionada há anos. Depois, há uma imensa zona de pré-fabricados, autênticas casas com um pequeno jardim. A de Mário de Sousa é uma delas. Começou há 40 anos com uma tenda. Depois teve uma rulote. Seguiu-se o pré-fabricado. "A minha mulher entretanto reformou-se e passamos a viver aqui. Já lá vão 24 anos", conta o chefe de tinturaria reformado.
Mário aponta um terreno em frente à sua casa, "cedido" por 40 mil euros. Quem ficou com ele gastará, agora, outro tanto a erguer a casa, mas Mário garante que vale a pena: "É viver no paraíso!".