Construção de piscinas em imóveis privados nas cidades disparou desde o início da pandemia para números nunca antes registados. No entanto, o enquadramento legal permanece omisso, o que faz com que não haja sanções quando as regras não são cumpridas.
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Nunca se construíram tantas piscinas privadas em Portugal. Desde março de 2020, aquando do início da pandemia de covid-19, os pedidos de instalação aumentaram 100% e as empresas do setor não tiveram mãos a medir. No entanto, continua por existir lei que evite deixar este tipo de equipamentos domésticos à deriva das conveniências de cada proprietário, sem qualquer tipo de exigência, nomeadamente em termos de segurança.
Isso mesmo foi reforçado num livro recentemente lançado pelo advogado Antas Teles e pelo engenheiro de sistemas e informática Abílio Vilaça, ambos professores do Instituto Superior de Administração e Gestão (ISAG), no Porto. "É um gravíssimo problema. Existe absoluta falta de vigilância, de regras e, até, de recomendações úteis para os utilizadores. As piscinas estão abandonadas ao livre-arbítrio", apontaram ao JN Urbano os autores de "Piscinas nos empreendimentos turísticos: Paraíso ou pesadelo", onde também é feita uma resenha dos aspetos legais que envolvem, ou não, as piscinas particulares.
"O Estado não é boa pessoa nesta matéria, há um vazio legal que continua por preencher. Basta lembrar que das 60 mortes em piscinas registadas nos últimos 10 anos, 50 foram de crianças. E não há nada plasmado em letra de lei que as possa proteger", referem.
Não há enquadramento para o funcionamento das piscinas, nem regras que definam como deve ser feito o licenciamento ou quem as deve fiscalizar
A falta de regulamentação é um problema que preocupa a Associação Portuguesa de Profissionais de Piscinas (APPP), fundada em 1998. "Continua a ser o grande calcanhar de Aquiles do setor", reconhece Filipa Santos, presidente da APPP. "Não há enquadramento para o seu funcionamento, nem regras que definam como deve ser feito o licenciamento ou quem as deve fiscalizar. E, em consequência, faltam sanções a aplicar caso as regras não sejam cumpridas", critica a responsável.
Para construir uma piscina em espaço privado não é necessário muito. De acordo com a lei 60/2007, a edificação está isenta de licença, embora seja preciso comunicar previamente a obra às autoridades municipais. Mas isto apenas no caso de se tratar de uma piscina abaixo do solo, as restantes estão isentas de qualquer comunicação prévia. Depois, cabe a cada um responsabilizar-se pelo espaço. "Apenas existem normas europeias que têm transposição para Portugal, devendo ser seguidas. No entanto, são apenas boas práticas e não imposições legais. Muitos profissionais não sabem da sua existência", relata a líder da APPP.
Em 2020 chegámos a uma média de três instalações de piscinas por dia, de segunda a sábado. Em 2021, a procura triplicou.
A associação confirma o crescimento brutal de construção no último ano e meio, o que torna ainda mais urgente o enquadramento na lei. "Estimamos que tenha havido uma procura de 65% a 100% superior relativamente aos anos anteriores", garante Filipa Santos. "Sobretudo de piscinas de baixo investimento, rápida instalação, pequenas dimensões e fácil manutenção, para poderem ter uma alternativa à construção tradicional, mais demorada e onerosa", explica.
João Carvalho, cofundador da MELOM, rede que lidera o mercado de serviços de reparação, manutenção, remodelação e construção de imóveis em Portugal, confirma que os números recentes atingiram valores jamais verificados. "Em 2020 chegámos a uma média de três instalações de piscinas por dia, de segunda a sábado. Em 2021, a procura triplicou. Em fevereiro, já tínhamos tantos pedidos como os registados de janeiro a agosto de 2020", contabiliza.
Como seria previsível, as mais vendidas foram as piscinas acima do solo, "500 só este ano." Das enterradas em betão e forradas em tela armada, "foram 200".
A justificação prende-se com a burocracia que envolve umas e outras. "As piscinas acima do solo não obrigam a uma comunicação prévia às câmaras municipais, nem a apresentação de projeto. Além disso, não contribuem para o aumento do valor do IMI", assinala João Carvalho. Os preços são também fator a ter em conta. As primeiras custam, em média, 2000 euros, as outras chegam aos 10 mil.
Patrícia Barão, responsável principal em Portugal pelo segmento residencial da empresa de serviços imobiliários JLL, acrescenta que outro fenómeno foi visível em 2020 e 2021. "Registou-se um aumento brutal da procura por casas com piscina. As vendas dispararam", conta ao JN Urbano. Os números continuam a subir e é previsível que assim continuem nos próximos meses. "A tendência vai continuar em 2022, há cada vez mais pedidos nesse sentido", assegura.
A explicação é simples e encontra raízes nas alterações de hábitos quotidianos que a pandemia trouxe consigo.
Vendas disparam em 2021 e tendência é para continuar
"Com os confinamentos passámos a viver a nossa casa como nunca vivemos. A querer espaços de trabalho com outra qualidade e a dar mais importância aos espaços exteriores, como varandas, jardins e, claro, piscinas. Porque a casa passou a ser, simultaneamente, um ponto de trabalho e de lazer", descreve Francisca Bettencourt, diretora-geral da INTEGRA MAIS - Tecnolplano Premium Market.
"Não só são requeridas piscinas, como a adaptação, remodelação e redecoração adequada à sua área envolvente", indica.
Seja em imóveis adquiridos desde o início da pandemia, seja em casas onde durante esse período foi edificada uma piscina, a regulamentação destes equipamentos continua por fazer. No entanto, uma nova esperança abriu-se este mês de novembro quando a Assembleia da República aprovou um decreto que refere a importância da criação de regulamentação.
Uma iniciativa que a Associação Portuguesa de Profissionais de Piscinas "aplaude e para a qual está disponível para debater ativamente". E que pode servir de ponto de partida para colmatar uma lacuna que tarda resolver e pede resolução.