Espaços desportivos degradados estão a ganhar cor através da arte urbana em Lisboa. Transformaram-se em lugares de convívio e desporto comunitário, atraindo cada vez mais fãs da modalidade ou apenas curiosos para tirarem fotografias, que partilham nas redes sociais. O fenómeno está a alastra-se a outras cidades de todo o país.
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Lucas Leitão, 24 anos, praticou basquetebol durante 12 anos. As exigências da vida adulta afastaram-no da modalidade, mas a paixão nunca se perdeu. "Joguei até o trabalho se impor. Assim que soube que este campo ia abrir fiquei muito feliz porque não havia nenhum nesta zona e moro aqui", conta, enquanto vai tentando encestar numa das tabelas do campo que surgiu no verão no Parque das Nações. Chegado à capital há poucos meses, o jovem de Ovar admite que estes espaços são importantes para conhecer pessoas.
"O pessoal vai aparecendo sem se combinar nada. Não trocamos contactos, mas já sabemos quem está aqui. Criou-se um novo ponto de encontro", explica. Um pouco por toda a cidade vários campos de basquetebol têm sido recuperados ou criados de raiz através da arte urbana. Atraem cada vez mais gente, praticantes e mesmo quem não tem ligação à modalidade.
"Há zonas onde os campos já existiam, mas as pessoas não tinham vontade de ir e agora, e porque se vive muito das redes sociais, começaram a vir. É muito "instagramável"", comenta Armando Gomes ou "Monster", nome artístico. É um dos artistas que pintaram o campo de basquetebol do Parque das Nações e que o JN Urbano encontrou a jogar com dois amigos. Deram com "o campo cheio" numa manhã de chuva.
Já fui jogador de competição, mas agora pratico mais nos tempos livres para descomprimir do trabalho
"As tabelas estavam todas ocupadas e vimos um americano que devia ter sido jogador porque encestou dez vezes seguidas", conta. Pedro Guerra, 13 anos, jogador de basquetebol em Pamplona, Espanha, onde vive, não perde uma oportunidade de jogar sempre que vem a Lisboa visitar o pai, Emanuel Serôdio, 36 anos. "É uma forma de fazer programas com ele", explica, sorridente.
Na Doca de Alcântara, onde nasceram dois campos de basquetebol 3x3 num parque de estacionamento, Rafaela Catão, 41 anos, experimentava o espaço com a família pela primeira vez. "Até compramos uma bola nova. Queremos vir mais". Para o marido, Manuel Avelar, 39 anos, "o acesso gratuito ao desporto é fundamental". No mesmo local, Marcos Sequeira, 55 anos, já driblava pelas 8 da manhã. "É mais sossegado, ainda não estou com ritmo para jogar com outros. Já fui jogador de competição, mas agora pratico mais nos tempos livres para descomprimir do trabalho", conta.
Campos que foram "engolidos" por estacionamentos
O basquetebol já não é estranho àquela zona da cidade onde no final dos anos 90 muitos treinaram, inclusive elementos de uma equipa que foi campeã mundial da modalidade 3x3. Também ali tiveram lugar alguns torneios. "Mas estes foram deixando de haver e a concessão de estacionamento foi aumentando e roubando aquele espaço. Agora queremos trazê-lo de volta para que as pessoas que ali jogaram há 20 anos, como eu, possam regressar", diz André Costa, fundador da startup Hoopers responsável por requalificar os campos de basquetebol em parceria com a Câmara de Lisboa.
A ideia surgiu depois de constatar a degradação dos campos. "Encontramos muitos em mau estado, espaços sem utilização ou com usos incorretos e sentimo-nos na obrigação de fazer alguma coisa", explica André, que se inspirou "num movimento internacional que começou em Paris". Segundo o basquetebolista, que foi federado mais de 20 anos, estas intervenções "estão a atrair mais pessoas" à modalidade. "Temos visto os campos cheios e uma utilização crescente de quem já não jogava há algum tempo e de quem joga pela primeira vez", assegura.
Em Braga, o espaço era mal frequentado. A nossa intervenção conseguiu limpar esse histórico e tornar o campo atrativo para a comunidade
A Hoopers foi criada em 2019 e o primeiro campo de basquetebol nasceu em plena pandemia covid-19. A componente artística também é uma mais-valia. "Nesta era de produção de conteúdos há pessoas que vão ali só fotografar-se. Além do espaço de jogo, há uma obra artística para ser apreciada. É bom porque vão sendo mais divulgados", observa.
Em Lisboa, já foram recuperados ou criados nove campos, do centro da cidade a Chelas, mas estas intervenções artísticas também já estão a fazer sucesso em Braga, Penafiel, Cascais e Barreiro. "Em Braga, o espaço era mal frequentado. A nossa intervenção conseguiu limpar esse histórico e tornar o campo atrativo para a comunidade de basquetebol e um ponto turístico na cidade", exemplifica. O próximo passo é "a internacionalização", estando na mira intervenções "em Madrid ou Barcelona".
André Costa quer "voltar a unir a comunidade em torno do basquetebol", uma modalidade que tem perdido visibilidade em Portugal. "Têm acontecido episódios que vão contribuindo para voltar a fazer do basquetebol um assunto, como termos o primeiro jogador português na NBA. Tentamos fazer a nossa parte também", remata