
Arquivo/Global Imagens
Até março, houve 500 episódios nos centros de saúde e nos hospitais. Injúrias e ameaças nas redes sociais aumentam. A violência pode crescer com falta de resposta.
Todos os dias, em média, mais de cinco profissionais de saúde são alvos de atos de violência e ameaças por parte dos utentes. Só no primeiro trimestre de 2020, foram sinalizadas cerca de 500 agressões nos serviços de saúde públicos e privados. Um número semelhante ao registado em todo o ano de 2017 e metade dos casos reportados em 2019. Quase 50 dos episódios, de 1 de janeiro a 31 de março, incluíram violência física. Mas a maioria consistiu em agressões psicológicas, sendo que as redes sociais estão a permitir aos utentes encontrarem as vítimas e aí ameaçá-las e injuriá-las.
Perante este cenário transversal, que vai desde os centros de saúde até às unidades hospitalares, o Governo garante que está a reforçar o apoio aos agredidos, onde se conta um atendimento específico na linha telefónica SNS24. Com o Serviço Nacional de Saúde (SNS) sob pressão devido à pandemia, as associações profissionais do setor alertam para um aumento da violência causado pela frustração dos utentes pelos atrasos na resposta e pedem medidas mais musculadas e imediatas (ler coluna ao lado).
De acordo com os dados cedidos ao JN pelo Ministério da Saúde (MS), nos primeiros 91 dias do ano foram registados 498 casos na "Notifica", a plataforma da Direção-Geral da Saúde (DGS) para o reporte voluntário de atos violentos e ameaças "no SNS, mas também fora dele". A notificação online no site da DGS pode ser feita pela vítima ou terceiros - como os familiares dos profissionais.
Covid-19 poderá ser rastilho
Cerca de 11% dos casos do primeiro trimestre consistiram em agressões físicas. Relativamente "aos casos de violência verbal, muitas das situações são de violência não presencial, através das redes sociais, correio eletrónico ou o telefone". Uma análise preliminar revelou que "esta problemática afeta tantos os cuidados de saúde primários como hospitalares".
Os dados foram coligidos já pelo Gabinete de Segurança para a Prevenção e o Combate à Violência contra os Profissionais de Saúde, uma estrutura criada após as agressões ocorridas no final de 2019 [ler textos ao lado].
Os dados do primeiro trimestre apontam para um aumento destas situações: em 2017, foram reportados 600 casos, em 2018 foram 900, e até setembro de 2019 havia registo de 985 agressões. As associações do setor têm alertado para os efeitos do descontentamento dos utentes com o adiamento de consultas e cirurgias.
"Estes dados são pré-covid, quando se dizia que parte da frustração dos utentes antes de chegar aos médicos ficava pelo caminho: pelos enfermeiros e administrativos", explicou ao JN António Manuel Marques, diretor da Escola Superior de Saúde de Setúbal, que alerta para "os atuais efeitos do medo, do cansaço e da pressão da espera nos utentes". "Sem querer ser alarmista", o especialista em Ciências da Saúde admite que é difícil que este tempo de enorme incerteza "não traga uma ampliação da violência".
Há cerca de um mês, o JN revelou o caso de Eugénia Cheptene, uma médica do Centro de Saúde do Laranjeiro (Almada) agredida a murro por uma utente desagradada com as medidas de acesso ao local devido ao protocolo covid.
