Não se sabe ao certo quantas pessoas vivem em pobreza energética em Portugal, mas estima-se que sejam, pelo menos, dois milhões. Falta de isolamento agrava dificuldades das famílias nas cidades, que não conseguem manter as casas aquecidas de inverno. Plano para resolver o problema até 2040 custa 7,6 mil milhões de euros. Energia mais cara da Europa, baixos rendimentos e má qualidade do edificado explicam as dificuldades.
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De acordo com os números divulgados neste mês de janeiro pelo organismo de estatística da União Europeia, o Eurostat, em 2019, 18,9% da população em Portugal (cerca de dois milhões de pessoas) dizia ter dificuldades em manter a casa quente no inverno. Pior só a Bulgária (30,1%), Lituânia (26,7%) e Chipre (21%). Ainda segundo o Eurostat, 24,4% das famílias em Portugal viviam em casas com infiltrações, humidade ou janelas e pavimentos deteriorados.
É difícil quantificar com rigor a pobreza energética, explica João Pedro Gouveia, investigador no CENSE - Center for Environmental and Sustainability Research, da Universidade Nova de Lisboa, porque é um problema "multidimensional". "Deriva do preço da energia (em Portugal é da mais cara da Europa), dos rendimentos das famílias (dos mais baixos da União Europeia) e da qualidade do edificado, que é, na maioria dos casos, má". Esta última deverá ser a mais relevante para solucionar o problema, mas a longo prazo.
Vamos por partes. Atualmente, estima-se que existam no país cerca de 3,5 milhões de habitações com uso regular. Dessas, calcula a investigadora Marta Panão, da Universidade de Lisboa, "cerca de 70% foram construídas antes de 1990", altura em que surge o primeiro regulamento que obriga a colocar isolamento nas casas. Aliás, a grande maioria do edificado recua aos anos de 1950, 60 e 70, altura em que o êxodo das zonas rurais para as grandes cidades obrigou a um incremento substancial das construções, sem preocupações em relação ao isolamento.
A má qualidade do edificado tem um peso grande para o problema da pobreza energética e pode ser aí o foco da solução
Em 2008, a obrigação de certificar energeticamente as novas construções e as que voltavam ao mercado para serem transacionadas, trouxe mais alguns dados. Só um terço dos imóveis tem já este tipo de certificado, mas, desses, refere o bastonário da Ordem dos Engenheiros, Carlos Mineiro Aires, "75% são ineficientes do ponto de vista energético", ou sejam, não chegam sequer ao nível B-.
"A má qualidade do edificado tem um peso grande para o problema da pobreza energética e pode ser aí o foco da solução", diz João Pedro Gouveia. "Se uma pessoa tiver uma casa com menor necessidade de aquecimento, com bom isolamento e janelas duplas, a sua necessidade de consumo de energia é menor", pelo que a questão do rendimento e o preço da energia passam a ser "quase irrelevantes".
Carlos Mineiro Aires não tem dúvidas de que "temos um parque habitacional envelhecido e é preciso fazer grandes investimentos para o recuperar". Pese embora o Governo tenha "feito um esforço em criar programas que ajudem a modificar este estado de coisas e tornem as casas mais eficientes", está longe de ser suficiente.
Na Estratégia de Longo Prazo para a Renovação dos Edifícios, um documento promovido pelo Governo que esteve em consulta pública no ano passado, estima-se que seriam precisos 384 milhões de euros por ano, até 2040, para combate à pobreza energética de dois milhões de portugueses. Seriam aplicados no isolamento térmico de fachadas e coberturas e na substituição de janelas por caixilhos de PVC com vidro duplo. Em 20 anos, a fatura ascenderá a 7,6 mil milhões de euros.
Temos de ter uma perspetiva nova, de eficiência dos materiais, térmica, hídrica, de sustentabilidade ambiental.
"A tarefa é tão grande que vai demorar muito tempo", diz o bastonário, sublinhando que é preciso "estabelecer prioridades", envolver autarquias, organismos que têm habitação, senhorios e ter sempre no horizonte as circunstâncias do país: "somos dos mais pobres da Europa" e há edificado tão degradado que "não justifica o investimento".
"Temos de ter uma perspetiva nova, de eficiência dos materiais, térmica, hídrica, de sustentabilidade ambiental. Iremos caminhar paulatinamente para estas soluções, mas não vamos dar o salto subitamente porque é uma tarefa gigantesca", acrescenta Carlos Mineiro Aires.
Porém, para não estarmos as próximas décadas a tremer, é preciso avançar também com medidas de curto prazo, defende Marta Panão, que há muito estuda problemas ligados à eficiência energética. "Quando existem ondas de frio e calor, as pessoas deviam ter apoio direto ao consumo de energia, subsidiando a energia nesses períodos, porque é um problema imediato. Depois, uma estratégia a longo prazo, com estratégias de financiamento e obras de reabilitação", aponta a investigadora.
Casas passivas geram poupanças
Marta Panão refere, ainda, que a longo prazo é necessário "melhorar a envolvente passiva" em detrimento da "ativa", ou o problema (e a fatura) não terá fim à vista.
Tornar as casas passivas, ou seja, conseguir que não percam tanto calor (porque têm coberturas, paredes e janelas com bom isolamento e sistemas eficientes na produção de energia), em vez de estar sempre a fornecer energia de forma ativa (com as lareiras ou aquecedores ligados), traz poupanças significativas. João Gavião e João Marcelino, da associação PassivHaus, dizem que estes edifícios podem gastar "menos 75% a 90% de energia".
Mas porque é tão importante ter conforto térmico em casa? As consequências da pobreza energética não são totalmente conhecidas, mas, em última instância, o frio pode mesmo ser fatal. O Instituto Nacional de Saúde Ricardo Jorge estima que, em 2018, a gripe e temperaturas baixas causaram 3700 mortes, das quais 397 foram atribuídas ao frio. Mas há outras consequências. Sabe-se que o frio agrava várias doenças, o que mais cedo ou mais tarde acarreta custos para o Sistema Nacional de Saúde. Por outro, leva a perdas de produtividade, o que, numa altura de pandemia, em que há cada vez mais pessoas em teletrabalho, tem um peso que não pode ser menosprezado