O número de crianças e jovens em risco integrados no seio de família de acolhimento aumentou em 2021. No entanto, a medida abrange apenas uma minoria dos menores à guarda do Estado. Das 6300 crianças e jovens abrangidos pelo sistema de acolhimento no ano passado, apenas 3,5% estavam em famílias de acolhimento. A esmagadora maioria encontrava-se em instituições. Os dados constam no relatório de Caracterização Anual da Situação de Acolhimento das Crianças e Jovens (CASA). Ao JN, o Instituto da Segurança Social revelou que, no próximo ano, está previsto o lançamento de uma campanha de sensibilização para famílias.
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Segundo o documento, no ano passado, 6 369 menores encontravam-se em acolhimento. Trata-se de menos 5% face a 2020. A esmagadora maioria (96,5%) estava em acolhimento residencial, enquanto apenas 3,5% estavam integrados em famílias de acolhimento. Esta valência, que surge como uma alternativa à institucionalização e cujo número de menores abrangidos aumentou face a 2020, contemplava 154 crianças e jovens até novembro do ano transato.
De acordo com Ana Paula Alves, do Instituto da Segurança Social, a baixa percentagem poderá estar relacionada, em parte, com "as características da população em acolhimento". São, sobretudo, jovens com mais de 15 anos. No entanto, considera, "essa questão não é a determinante". Ana Paula Alves recorda que, até 2020, "houve uma tendência de decréscimo" no acolhimento familiar, que se começou a inverter em 2020 e 2021 e cuja esperança é que se venha "a acentuar significativamente nos próximos anos".
"Este novo paradigma de acolhimento familiar começou a ser implementado em 2020, primeiro com a publicação do decreto-lei que regulamenta a medida de acolhimento familiar e, depois, com a portaria que vem regulamentar as condições de avaliação e relação das famílias e também as instituições de enquadramento com as quais as entidades gestoras - o Instituto da Segurança Social e a Santa Casa da Misericórdia de Lisboa - podem realizar protocolos ou acordos de cooperação para funcionarem como instituições de enquadramento de famílias de acolhimento. Portanto, a partir de 2020, é que se começa a implementar este novo modelo de acolhimento familiar que, entre outras coisas, traz um estatuto de maior dignidade para as famílias de acolhimento", disse Ana Paula Alves, frisando ainda a necessidade de haver uma "sensibilização da sociedade civil para esta função social", um processo "rigoroso de avaliação e seleção" e um "apoio e acompanhamento técnico às famílias".
No início do próximo ano, revelou Ana Paula Alves, será lançada uma campanha nacional de sensibilização para as famílias. A expectativa é que 2023 seja "o ano de viragem no acolhimento familiar". "Para 2023, nós, o Instituto da Segurança Social, temos já umas dezenas de acordos celebrados com instituições de enquadramento que vão permitir instalar uma capacidade bastante significativa ao nível do acolhimento familiar. Previamente a tudo isto vamos trabalhar na sensibilização e captação de famílias", detalhou.
No que toca ao sistema de acolhimento, em média, crianças e jovens permanecem nas várias respostas existentes durante 3,5 anos. Atualmente, mais de 1400 menores estão em situação de acolhimento há seis ou mais anos. Ana Paula admite ser um "tempo muito elevado". "Também é verdade que cada vez temos mais crianças que entram e saem no mesmo ano do sistema de acolhimento. Relativamente a essa franja que se vai mantendo serão, sobretudo, crianças com situações particulares, nomeadamente ao nível de saúde, e serão também jovens que estão no sistema a terminar o seu percurso educativo e formativo e também influenciam os tempos de acolhimento. Por outro lado, também no acolhimento familiar, o tempo de permanência também é bastante elevado", explicou.
Na capítulo da escolaridade, o relatório detalha que 92% dos menores à guarda do Estado integravam respostas educativas em 2021. No entanto, há crianças e jovens em acolhimento a frequentar o ciclo escolar abaixo da sua idade. Apenas 39% dos jovens entre os 15 e os 17 anos frequentavam no ensino secundário, 48% das crianças entre os 10 e os 11 anos estavam no segundo ciclo e 59% dos jovens entre os 12 e os 14 anos estudavam no terceiro ciclo.
"Este é um aspeto que nos preocupa. Os jovens chegam ao acolhimento cada vez mais tarde. Mais de 80% das medidas aplicadas são em meio natural de vida e, muitas vezes, quando os jovens chegam ao sistema, chegam mais velhos e em percursos de absentismo e abandono escolar. A primeira coisa que se tem que trabalhar com estes jovens no acolhimento é a reconciliação com a escola", referiu Ana Paula Alves, recordando o Plano Casa, que resulta de uma parceria com o Ministério da Educação, para a colocação de docentes nas casas de acolhimento para apoiar os jovens em termos pedagógicos.
De acordo com os dados do relatório, em 2021, foram identificadas 14 495 situações de perigo "que se revelaram como fatores determinantes na entrada no sistema de acolhimento". A negligência foi detetada em mais de 10 mil casos, principalmente devido à falta de supervisão e acompanhamento familiar. Há ainda registo de maus tratos, violência sexual e maus tratos psicológicos.
O relatório aponta ainda a ocorrência de 77 fugas no ano transato, sendo as faixas etárias com mais de 15 anos as mais propensas a fugir. No que toca à covid-19, cerca de 80% dos menores em acolhimento admite que a pandemia o afetou negativamente e 67% admite impacto na sua saúde mental.
Em jeito de balanço, Ana Paula Alves diz que, em 2021, "mantiveram-se as tendências que já vínhamos a registar nos últimos anos em quase todos os indicadores, que vão no sentido da redução das crianças e jovens em acolhimento e também de termos, em cada ano, sempre um menor número de saídas do que entradas no sistema".