Serviços adquiriram "tablets" para videochamadas. Visitas são excecionais mas fazem bem aos internados e descansam familiares.
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Luís segura no "tablet" e esconde a emoção por trás da máscara. Do lado de lá, de cara destapada, a mulher rasga um sorriso enorme. Ele está no piso seis, unidade de cuidados intensivos, ala covid-19, do Hospital de S. João. Ela em casa, sempre à espera que o telefone toque. Cara a cara trocam novidades, dizem graças para aliviar o pesadelo, reduzem distâncias e ansiedades. Numa altura em que há poucas visitas aos doentes, há exemplos por todo o país de hospitais que se organizaram para dar um "mimo" aos internados e às famílias. Faz bem a todos.
Luís Silva, 45 anos, sofreu um revés durante a noite e teve de ser transferido da enfermaria do serviço de Doenças Infecciosas para os cuidados intensivos. A covid-19 roubou-lhe eficácia aos pulmões e os médicos optaram por ligá-lo a um ECMO, a super- máquina que faz a oxigenação do sangue fora do corpo. Ninguém diria: está acordado e em videochamada com a mulher.
"Cá estou eu, a tentar recuperar. Hoje sinto-me melhor", diz, conversando com o pequeno ecrã. Está numa ala com mais três doentes em estado crítico, máquinas a apitar e fios por todo o lado. A conversa é curta para o doente não se cansar, mas deu para aquecer a alma enquanto não recebe visitas.
Há três meses na UCI
Do lado oposto, na ala livre de covid-19 dos cuidados intensivos, está José Fernando Pinto, 41 anos, mais de 80 dias de internamento, muitos deles em coma profundo. Teve um acidente de trabalho, caiu de um sexto andar, e enfrenta uma dura recuperação. Já fez várias cirurgias e está traqueostomizado. Tem um tubo a sair-lhe da garganta e, por isso, a voz sumiu-se. Fernando já recebeu visitas presenciais da mulher - são permitidas com a autorização e agendamento do serviço - mas não é todos os dias. A enfermeira Isabel Pires vai ajudando a encurtar os intervalos. "Dona Rosário, está a ver-me?", pergunta, enquanto testa a videochamada.
Naquela manhã, a "dona Rosário" quis fazer uma surpresa ao marido e chamou a cunhada, irmã mais velha do doente, para um "olá" virtual. De queixo trémulo, Fernando não conteve a emoção. A enfermeira Isabel limpa-lhe as lágrimas com a luva e segura-lhe no braço para o ajudar a acenar um "até já" à família.
Na unidade de cuidados intensivos do S. João, os enfermeiros esforçam-se para que o contacto com as famílias seja diário, à hora que for, porque depende sempre do estado clínico do doente. Noutros serviços, as chamadas são feitas preferencialmente à tarde para não coincidirem com os cuidados de higiene aos doentes, explica a enfermeira Cláudia Ferreira, do internamento de Doenças Infecciosas. "É uma forma de minimizar as saudades, é um miminho que lhes damos", diz. Naquele serviço, cheio de doentes covid, só há visitas em casos muitos excecionais, que é o mesmo que dizer "despedidas".
Visitas únicas e curtas
Em dezembro, a Direção-Geral da Saúde emitiu uma orientação para os hospitais permitirem visitas presenciais aos doentes não-covid e excecionalmente aos infetados. Em Lisboa, no Hospital de Santa Maria, já era assim antes da norma. Quando os doentes "pedem uma visita, marca-se uma hora, o familiar farda-se e entra".
Não pode estar mais ninguém na enfermaria e o tempo de permanência é curto. Mas suficiente para fazer bem aos doentes, "para não se sentirem sozinhos e também aos familiares que vão mais descansados para casa", realça Ana Paula Fernandes, enfermeira-diretora do hospital, numa conversa no início de janeiro, antes do agravamento da pandemia.
Na área covid "facilita-se outro tipo de contacto", como as videochamadas, mas há situações especiais em que as visitas são permitidas. Para informação sobre o estado clínico do doente, o contacto com a família é por telefone. A regra é que seja no dia seguinte à admissão, mas Ana Paula Fernandes reconhece que nem sempre é assim.
OUTROS HOSPITAIS
Contacto diário
No hospital de Gaia, as equipas dos internamentos covid falam diariamente (à semana), por telefone, com as famílias. Também fazem videochamadas entre doentes e familiares.
Visitas alternadas
No hospital da Feira, há videochamadas para doentes que não têm telemóvel e as visitas são permitidas em todos os serviços de forma alternada. É permitida só uma pessoa por 30 minutos.
Visitas online
Nos hospitais de Évora e de Santarém as videochamadas arrancaram este mês.