Os programas que permitiram tratar doentes oncológicos com células CAR-T financiados pela indústria farmacêutica terminaram e a partir de agora serão os hospitais a suportar os custos.
Corpo do artigo
Mas o pagamento "vai ficar condicionado a resultados de vida real", ou seja, às melhorias observadas nos doentes, adiantou ao JN o Infarmed.
A Autoridade Nacional do Medicamento está a concluir a negociação para comparticipação destas terapêuticas, aplicadas pela primeira vez em maio do ano passado no IPO do Porto, e que custam cerca de 350 mil euros. Paralelamente, está a trabalhar com o Registo Oncológico Nacional "na monitorização da efetividade destas terapêuticas", considerando que esta é "uma ferramenta essencial" para a sustentabilidade do Serviço Nacional de Saúde.
"A expectativa que temos é que uma parcela do custo seja adjudicada na infusão [das células] e as outras em pontos definidos temporalmente após a verificação do estado de saúde do doente", afirmou ao JN Rui Henrique, presidente do IPO do Porto, garantindo que os tratamentos avançarão sempre que houver indicação clínica, independentemente das negociações do Infarmed (ler entrevista).
No IPO de Lisboa, o hematologista Nuno Miranda dá garantia idêntica, mas lembra que, além dos custos com o fármaco, é preciso também contabilizar os internos, com profissionais, exames, outros fármacos e internamento em cuidados intensivos.
Para alguns doentes com linfomas agressivos, estes tratamentos são a última esperança, mas nem sempre dão resultado. Por isso, a importância do pagamento condicionado, tal como foi feito, em 2015, para o fármaco da hepatite C.
Três morreram
Dos dez doentes tratados nos IPO do Porto e Lisboa (únicos acreditados para a terapêutica) com os Programas de Acesso Precoce (sem custos) das empresas Gilead e Novartis, em pelo menos dois a doença desapareceu. Outros três morreram. "Os resultados estão em linha com os de outros países", diz José Mário Mariz, diretor da Clínica de Onco-Hematologia do IPO do Porto.
A primeira infusão de células CAR-T foi a 14 de maio. A doente, de 39 anos, não resistiu à toxicidade e acabou por morrer 14 dias depois. O segundo paciente, também com menos de 40 anos, não respondeu e morreu meses depois por progressão do cancro. O terceiro não chegou a ser tratado: retirou as células, mas morreu antes destas regressarem do estrangeiro. O quarto doente também não reagiu à terapêutica e tem "a doença em progressão", adiantou José Mário Mariz.
O quinto e o sexto são os casos de sucesso. Maria Isabel Alves, professora de 61 anos, está sem evidência da doença ao fim de três meses [ler ao lado]. "Pode não significar a cura, mas é um bom princípio", assegura o hematologista, orgulhoso por "poder fazer parte desta história". A sexta doente tratada está também sem sinais da patologia. Há outro doente sem resposta e outro em avaliação. Em Lisboa, os dois pacientes tratados ainda não foram avaliados.
Segundo Nuno Miranda, até final de abril, o IPO de Lisboa deverá estar qualificado para tratar crianças, em parceria com os cuidados intensivos pediátricos dos hospitais de Santa Maria e D. Estefânia. Mas os casos serão muito raros pois as crianças reagem bem a outros tratamentos.
"Objetivo é manipular cá as células", Rui Henrique, Presidente do IPO do Porto
O programa de acesso precoce à terapêutica com células CAR-T sem custos terminou. O IPO vai continuar a tratar os doentes?
Já temos dois doentes com indicação para este tratamento fora do programa sem custos. Um já fez a colheita de células e o outro aguarda aprovação do Infarmed. Sempre que houver indicação clínica, haverá tratamento.
O elevado custo dos fármacos não será um obstáculo?
Sou presidente do Conselho de Administração, mas, antes de mais, sou médico. E se há estrita indicação clínica para usar um fármaco num doente, que está aprovado pelo Infarmed, então tenho a obrigação de disponibilizá-lo. E depois tenho obrigação de procurar com a tutela as formas de financiamento mais adequadas e sustentáveis. Não vou estar à espera que seja fechado o acordo com a empresa farmacêutica e que se decida o modelo de financiamento. Isso seria uma pressão intolerável sobre a negociação e colocava o doente em risco.
Além das óbvias vantagens para o doente, o que representou este avanço para o IPO?
Ganhamos em capacitação técnica, os serviços tiveram de crescer em termos de qualidade e organização para responderem às exigências. As farmacêuticas apontam o trabalho feito em Portugal como um "case study". Isto motiva muito as pessoas. Para os profissionais, estar na linha da frente é altamente motivador e isso sentiu-se nos serviços envolvidos.
Qual é o próximo passo?
É criar condições para manipularmos as células CAR-T cá. É um processo complexo, mas que tem de estar altamente standardizado. A indústria vai ter de diversificar as áreas de resposta e não queremos perder a oportunidade.
Pormenores
O que é a terapêutica CAR-T?
O tratamento consiste na modificação genética de células do sistema imunitário do doente (células T) para que estas detetem e matem as células cancerígenas. Em laboratório, é introduzido um vírus dentro das células com uma proteína específica (recetor de antigénio quimérico ou CAR), especializada na identificação e destruição de determinadas células cancerígenas. As células manipuladas são multiplicadas em cultura e injetadas no doente.
Em que cancros é indicado?
Os tratamentos das farmacêuticas Gilead e Novartis são indicados para alguns cancros hematológicos - linfomas agressivos e leucemia linfoblástica - em fase avançada que não respondem às terapêuticas convencionais ou que recidivaram. A curto prazo, deverão avançar para outros linfomas e mieloma múltiplo, segundo José Mário Mariz.
Quantos doentes em causa?
A estimativa do Registo Oncológico Nacional é que os tratamentos possam abranger entre 60 e 70 adultos e cinco crianças por ano.