INEM levou 1.15 horas a atender chamada no dia da greve dos técnicos. Vítima podia ter sobrevivido com resposta rápida, conclui Inspeção da Saúde.
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A Inspeção-Geral das Atividades em Saúde (IGAS) admite a possibilidade do Estado vir a ser responsabilizado juridicamente pelo mau funcionamento do INEM no caso de um idoso que morreu em Bragança a 30 de outubro de 2024. Naquele dia, em que ocorreu uma greve às horas extraordinárias decretada pelo Sindicato dos Técnicos de Emergência Pré-Hospitalar, a chamada da mulher de Daniel Ferreira ficou em espera cerca de uma hora e 15 minutos, tendo este atraso no atendimento “condicionado decisivamente o socorro médico à vítima”. Assim, a viatura médica de emergência, que estava estacionada junto ao hospital a cerca de dois quilómetros da residência do casal, só chegou ao local uma hora e 20 minutos depois.
O relatório da IGAS, a que o JN teve acesso, conclui que Daniel João Ferreira, 86 anos, vítima de enfarte agudo do miocárdio poderia ter sobrevivido se o socorro tivesse sido atempado, embora a probabilidade fosse reduzida, porque o doente tinha diversas comorbilidades e antecedentes de patologia cardiovascular significativa.
Chamadas acumuladas
“É óbvio que houve um efetivo atraso no atendimento, que condicionou decisivamente o socorro médico à vítima”, refere a IGAS, considerando que é inviável imputar responsabilidade jurídico-disciplinar a um ou mais trabalhadores em concreto porque não se sabe quem deveria ter atendido as chamadas que se acumularam no “separador 112”, face à escassez de recursos humanos.
Quando o técnico do Centro de Orientação de Doentes Urgentes (CODU) do INEM devolveu a chamada em espera, a mulher disse que a vítima “já não respirava há mais de uma hora”. A partir daqui, o acionamento dos meios – a ambulância dos bombeiros de Bragança e a VMER – e a chegada destes ao local, foram “céleres e expeditos”, refere o relatório.
Não sendo possível identificar os trabalhadores que falharam no atendimento das chamadas, a IGAS propõe o arquivamento liminar dos autos. E não sendo possível responsabilizar-se trabalhadores em bloco, a inspeção abre a porta a uma ação contra o Estado.
“O que é possível, isso sim, é eventualmente a responsabilização jurídica, nos termos da legislação em vigor, da entidade ‘Estado’ pelo mau funcionamento de um serviço público, tão importante e crucial para o bem-estar e saúde de todos os cidadãos”, lê-se no documento.
Os inspetores apontam ao INEM, alegando que “o organismo não cumpriu, de forma cabal, as atribuições que lhe estão cometidas. Desde logo, oatendimento do pedido de socorro”.
Sem associar à greve
Reconhecendo que havia escassez de profissionais ao serviço no CODU naquele dia, mas sem relacionar com a greve em curso, o relatório termina alegando que “não se compreende que tenham sido efetuadas tantas tentativas de contacto telefónico, sem sucesso, o que é de todo em todo lamentável e que tem de ser internamente resolvido, sob pena de se voltarem a repetir casos semelhantes com as implicações que acarretam para o prestígio, bom nome e honra da instituição responsável pela EmergênciaMédica em Portugal”.
O JN contactou o Ministério da Saúde para um comentário, mas não recebeu resposta.