Organizações católicas pediram a presidente da República para enviar lei de estrangeiros para o Tribunal Constitucional. Bispos protagonizaram tomadas de posição públicas sobre falhas no acolhimento em Portugal.
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A imigração tem sido um tema “quente” no debate político (e fora dele) e a Igreja Católica não se tem arredado de participar. Nas últimas semanas, as alterações à lei de estrangeiros levaram várias organizações e figuras de proa do catolicismo a ter uma reação de “impulso” e a pedir a Marcelo Rebelo de Sousa para enviar o diploma para o Tribunal Constitucional, o que se confirmou. Nos últimos meses, o discurso de ódio contra estrangeiros também não tem passou incólume aos bispos portugueses.
“Eu creio que a Igreja Católica tem procurado através das suas instituições ser fiel ao seu princípio de hospitalidade, seja nos casos de emergência, na promoção humana e na inclusão dos imigrantes”, afirma Eugénia Quaresma. A diretora da Obra Católica Portuguesa das Migrações foi uma das personalidades a dar voz, através do Fórum de Organizações Católicas para a Imigração, às preocupações sobre as mudanças à lei de estrangeiros.
A responsável relata que a “pressa” do Executivo em aprovar o diploma no Parlamento justificou a pressão das organizações católicas junto do presidente da República. “Reagimos um bocadinho por impulso devido à precipitação do Governo”, justifica ao JN.
Exemplo de Francisco
Com mais ou menos “impulso”, com críticas subliminares ou outras bastantes diretas, os últimos meses têm mostrado que a Igreja Católica não se coíbe de opinar sobre o acolhimento dos imigrantes. Em janeiro, o presidente da Conferência Episcopal Portuguesa e bispo de Leiria-Fátima, José Ornelas, afirmou que, “às vezes, a indignação significa dignidade”, em reação à manifestação "Não nos encostem à parede", após dezenas de imigrantes ter sido alvo de uma revista policial, em dezembro, na Rua do Benformoso, em Lisboa.
Em julho, o cardeal Américo Aguiar não deixou escapar o tema da imigração e sobretudo do populismo, quando foi convidado a discursar nas jornadas parlamentares do PSD e CDS-PP. “O cidadão não tem esperança de que alguma coisa possa mudar, e quando não temos esperança qualquer um pode tomar conta da barca”, disse o também bispo de Setúbal aos deputados. Contudo, não referiu quem era esse “qualquer um”.
José Souto Moura, antigo procurador-geral da República e membro da equipa da Coordenação Nacional das Comissões Diocesanas de Proteção de Menores e Adultos Vulneráveis, afirma ao JN que a Igreja Católica portuguesa deve sempre posicionar do lado da rejeição dos “discursos de ódio, racistas e xenófobos”, à semelhança do que já fazia o Papa Francisco, diz.
André Costa Jorge, diretor-geral do Serviço Jesuíta aos Refugiados, explica que a Igreja Católica é composta por vários movimentos e organismos, logo há “várias sensibilidades” sobre os temas.
Resposta constante
Quanto à imigração, o responsável aponta que as organizações católicas “têm desempenhado um papel fundamental no contacto direto” com os imigrantes e não apenas no discurso público veiculado pelas figuras de proa do catolicismo. “É uma resposta concreta e constante”, afirma.
“Uma cultura de ódio e desconfiança vai criar muros. Se olharmos para as pessoas [imigrantes] apenas como força de trabalho, não vamos ser capazes de criar uma sociedade coesa. É mais fácil desconfiar do outro, porque não fala a nossa língua, porque se veste de modo diferente, porque usa turbante ou tem barba. O desafio é de todos, da Igreja Católica, dos crentes, dos leigos, das paróquias, dos padres e dos bispos. Todos temos de ter noção que não podemos viver isolados”, conclui.
Organizações de apoio pedem “leis justas”
Depois do pedido feito a Marcelo Rebelo de Sousa para enviar as alterações à lei de estrangeiros para o Tribunal Constitucional (TC), o que se confirmou na última quinta-feira, as organizações católicas de apoio aos refugiados e os migrantes esperam agora que várias normas do novo diploma sejam consideradas institucionais, nomeadamente as limitações ao reagrupamento familiar.
“Entendemos que há razões de inconstitucionalidade e esperamos que haja uma resposta na medida certa do TC. Não queremos ter razão, o que importa é chegar a bom porto e o país tem de ser capaz de criar leis justas”, afirma André Costa Jorge, diretor-geral do Serviço Jesuíta aos Refugiados. As limitações ao reagrupamento familiar – restringido aos menores de idade e com a exigência de dois anos de residência legal em Portugal para pedir a vinda de familiares adultos – é uma das normas que gerou mais críticas, inclusive de Marcelo Rebelo de Sousa.
Eugénia Quaresma, coordenadora do Fórum de Organizações Católicas para a Imigração, atenta haver razões de inconstitucionalidade também no acesso dos imigrantes à Justiça, uma vez que a nova lei reduz o direito a recurso aos tribunais, quando há decisões administrativas da Agência para a Integração, Migrações e Asilo (AIMA).
A também diretora da Obra Católica Portuguesa das Migrações afirma que “o direito a não emigrar”, isto é, a ter condições socioeconómicas dignas nos países de origem, não deve ser esquecido. “Os movimentos migratórios denunciam que algo não está bem”, refere.