A mudança de nome no registo civil é um processo muito burocrático e pode custar até 200 euros, sendo uma "barreira" para as pessoas trans e não-binárias que, muitas vezes, vivem com poucos recursos. A denúncia é da presidente da ILGA Portugal, que pede mudanças à lei no dia em que se assinala o Dia Internacional Contra a Homofobia, Transfobia e Bifobia. O Parlamento discute, esta quarta-feira, alterações à lei com vista à autodeterminação de género de pessoas trans, intersexo e não-binárias. Depois de dois anos "estagnados" no que toca ao reforço dos direitos das pessoas LGBTI+, a ILGA saúda este "boom de propostas".
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"Apesar do trabalho muito significativo que Portugal tem vindo a fazer para a autodeterminação das pessoas trans e de género diverso, desde a consagração da lei da autodeterminação de género, em 2018, e o fim da discriminação na dádiva de sangue com base na orientação sexual, em 2021, pouco temos avançado em termos de leis que reforcem os direitos LGBTI+", sublinha, ao JN, a presidente da ILGA Portugal - Intervenção Lésbica, Gay, Bissexual, Trans e Intersexo, Ana Aresta, saudando, por isso, a agenda do plenário desta quarta-feira, preenchida por oito recomendações e alterações ao quadro legal em vigor, neste dia em que se assinala o Dia Nacional e Internacional Contra a Homofobia, Transfobia e Bifobia. "É bom ver que há uma voz única que diz não à discriminação e ao ódio".
Ainda que representem um "passo intermédio" para reforçar a proteção das pessoas trans e de género diverso, estas propostas "abrem a porta para reforçar os seus direitos, enquanto não há uma legislação própria", defende a responsável da ILGA, apelando à sua "aprovação urgente" e que o Governo tenha em conta as recomendações dos vários partidos. Recorde-se que, por agora, em Portugal não são permitidos nomes próprios neutros e não existe um marcador de género neutro nos documentos de identificação.
Um dos projetos de lei, de autoria do PS, que será discutido esta tarde visa acabar com a imposição expressa no Código do Registo Civil do nome próprio nos documentos de identificação não poder suscitar dúvidas quanto ao sexo da pessoa registada. A mudança abrirá portas à escolha de nomes neutros quanto ao género. Também o Bloco de Esquerda e o PAN recomendam que esta obrigação seja revogada. "Será um passo muito importante, porque vem aliviar essa pressão do género sobre os nomes, permitindo que as pessoas possam, de facto, escolher o nome com que se identificam, independentemente desta diferenciação de um nome ser mais masculino ou mais feminino", aponta Ana Aresta.
Nome ligado ao sexo
Atualmente, alterar a menção do sexo atribuído à nascença e o nome próprio no registo civil não tem custos, mas mudar apenas o nome pode custar até 200 euros. Qualquer pessoa que queira mudar o nome em Portugal terá de enfrentar "um processo extremamente complicado e burocrático", aponta a presidente, acrescentando que, no caso das pessoas não-binárias, para além da burocracia, "a alteração não facilita a autodeterminação". "Muitas vezes, autoidentificam-se com nomes que não podem ser usados, caso o sexo não corresponda ao nome em si", salienta.
No que diz respeito à autodeterminação de género, Ana Aresta sublinha que a possibilidade de existir um marcador de género neutro nos documentos de identificação é outro dos assuntos que já mereciam ser trazidos para o Parlamento. "Um marcador de género pode ser algo simples para muitas pessoas, mas, para outras, pode ser extremamente violento. Estamos a falar de pessoas que crescem num contexto de alta discriminação e que não sentem que a sua identidade é conforme aquilo que um documento as identifica". O Bloco de Esquerda é o único partido que faz uma recomendação nesse sentido, sugerindo que as pessoas passem a ter o direito de requerer que não seja mencionado o sexo no cartão de cidadão.
Para Ana Aresta, seria importante avançar-se também com a gratuitidade de alterar o nome, sem mudar a menção do sexo, para ajudar a derrubar barreiras com que as pessoas trans e não-binárias se deparam neste processo. "A probabilidade de uma pessoa ser discriminada por ser trans ou por ser não-binária é muito grande, porque são excluídas de contextos educativos e laborais", explica. A alteração ao regulamento emolumentar dos registos e do notariado é um dos aspetos pedidos pelo PAN. Já a bancada socialista recomenda a mudança de nome automática, de forma oficial e sem custos, depois de a pessoa alterar o sexo, e consequentemente, o nome no registo civil.
Alterar no assento de nascimento dos filhos
O Livre também propõe alterações ao Código de Registo Civil, para que as pessoas trans possam atualizar o seu nome e o seu sexo legal no assento de nascimento dos seus filhos e no assento de casamento do cônjuge.
Atualmente, as pessoas trans que tenham mudado de sexo nos documentos de identificação só conseguem atualizar a identidade nos assentos de nascimento dos filhos quando estes forem maiores de idade, ou seja, depois dos 18 anos e a pedido dos próprios. O partido sublinha que a situação é uma "incongruência jurídica, uma vez que o nome legal da pessoa progenitora já não corresponde ao nome constante desse assento de nascimento". A situação é semelhante no assento de casamento, sendo preciso o consentimento do cônjuge.
O PS e o PAN apresentam projetos de recomendação ao Governo, para que seja consagrado o Dia Nacional da Visibilidade Trans, assinalado a 31 de março, para tornar visíveis os problemas que as pessoas trans enfrentam diariamente, nomeadamente no acesso a cuidados de saúde. Ana Aresta aponta que é "de arrepiar" ver esse dia a ser consagrado pela casa da democracia.