Durou duas horas e foi em 2 de Março. Carla Martins conhece a praia do Farol na Ilha da Culatra - ou a praia da Ilha do Farol - também assim chamada, vai em 40 anos e "nunca tinha visto nada assim". Em duas horas, o mar, galgando o paredão, fustigou o bar Maramais e destruiu-o.
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"Foi a maré mais cheia do ano, associada a ventos fortíssimos, de sueste", conta a concessionária. A praia perdeu o areal - "tinha mais de 100 metros!" - e ela perdeu tudo, prejuízo para mais de 50 mil euros. "Tinha seguro, mas a apólice tem daquelas letrinhas a dizer que não cobre prejuízos causados pelo mar", conta.
São cada vez mais expectáveis os prejuízos causados pelo mar na Ilha da Culatra ou nas outras quatro ilhas--barreira (Barreta, Culatra, Armona, Tavira e Cabanas) e inúmeros ilhotes do sistema lagunar (área de quase 14 mil hectares).
Ocupada permanentemente desde os finais do século XIX por pescadores e mariscadores, com 377 construções, incluindo uma escola e um centro de saúde, a Culatra é a barreira oceânica que protege Faro e Olhão de Faro e a actividade no interior da ria. Sujeita às variações naturais (migração dos areais e galgamentos oceânicos), é vítima da acção humana desde meados do século passado: primeiro, a abertura da barra artificial para os portos de Faro e Olhão; depois, a construção dos molhes na marina de Vilamoura e do campo de esporões da Quarteira, que interferiram na deriva litoral dos sedimentos.
A extremidade poente da ilha (ou Ilha do Farol) está completamente artificializada: no prolongamento do molhe nascente, um enorme enrocamento protege as edificações em risco, muito exposto a tempestades.
As tempestades e a sobreelevação do mar são responsáveis pela erosão da zona, com galgamentos oceânicos em locais onde o cordão dunar está fragilizado ou não existe, explicam estudos para a revisão do Plano de Ordenamento do Parque Natural da Ria Formosa, classificando a ilha num grau de susceptibilidade médio a alto e o segmento da Ilha do Farol está fragilizado.
"O mar ataca de vez em quando, até já destruiu o bar e outras coisas", conta António Mendonça, 67 anos, faroleiro reformado, nado e criado na ilha. "Onde agora se apanham as conquilhas, fora do quebra-mar, eram as hortas do Farol! Antigamente, levava 15 minutos para ir da ria à costa; agora, não chega a cinco", precisa.
Eduardo Duarte Barbeiro, 78 anos, foi dos primeiros a construir - legalmente, afiança, com autorização escrita da Junta dos Portos - uma casa de férias, primeiro em madeira, há 47 anos, no local agora a escassos metros do paredão. "Havia bastante areia, era ali que jogávamos à bola. Quando se construiu a barra, as areias que vinham de oeste passaram ao largo e aqui foi diminuindo", narra. Apesar do avanço do mar, não tem medo. "Estou no sítio mais alto; no dia em que o mar galgar isto, galga tudo…".